Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Marly de Oliveira

A suave pantera (duas primeiras estrofes)

1. Como qualquer animal,
olha as grades flutuantes.
Eis que as grades são fixas:
ela, sim, é andante.
Sob a pele, contida
- em silêncio e lisura -
a força do seu mal,
e a doçura, a doçura,
que escorre pelas pernas
e as pernas habitua
a esse modo de andar,
de ser sua, ser sua,
no perfeito equilíbrio
de sua vida aberta:
una e atenta a si mesma,
suavíssima pantera.

2. É suave, suave, a pantera,
mas se a quiserem tocar
sem a devida cautela,
logo a verão transformada
na fera que há dentro dela.
O dente de mais marfim
na negrura toda alerta,
e ser de princípio a fim
a pantera sem reservas,
o fervor, a força lúdica
da unha longa e descoberta,
o êxtase de sua fúria
sob o melindre que a fera,
em repouso, se a não tocam,
como que tem na singela
forma que não se alvoroça
por si só, antes parece,
na mansa, mansa e lustrosa
pelúcia com que adorna,
uma viva, intensa jóia.

A cidade

Sobre o rio, sobre as casas,
cúpulas, ponte, avenidas,
com acertos de acrobata,
pássaros metade luz,
metade sombra, levantam
o meio-dia de prata.

Nenhum silêncio mais puro
que o destes azuis prateados,
com cimos de catedral,
ciranda de ventos e anjos;
com aves de plumas negras,
negro ritmo nos telhados.

Ao longe campos perdidos
verdejam de hastes e canas.
E são espadas flexíveis,
verdes, livres oferendas.
E moinhos que vão rodando
duro rito de moendas.

No centro a praça mais ampla:
edifícios, plantas, água,
e bronze de monumentos.
Tudo tão perfeito e certo,
como se eu estivesse junto,
num ramo claro de vento.

Epigrama

Bom é ser árvore, vento:
sua grandeza inconsciente.
E não pensar, não temer.
Ser, apenas. Altamente.

Permanecer uno e sempre
só e alheio à própria sorte.
Com o mesmo rosto tranquilo
diante da vida e da morte.

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