Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

sábado, 16 de março de 2013

Elisabeth Veiga


Elegia 1

Já repeti o antigo encantamento
e só o cimento respondeu,
rastro de cinzas de maçã vencida,
desvestígio de gosto,
estanque julho que moeu vindimas
e deixou no espaço seu vinagre branco.
Onde havia um deus
os dias emboloram nuvens
de estrita agonia antepassada
que se olha no espelho
antes do adeus.
Inexiste, não soa, o que havia
fixou-se atrás da mente:
fim estalado de fotografia.
É agosto seco. É hoje e nunca houve.

Ao amor búfalo

Que heras venenosas te recubram
o avesso dos cabelos onde a ideia
de amor brotou torta
da cratera
desde o início.
E o tempo em temporais de areia
seja-te leve
ó meu suplício.
Nada foi verdadeiro na vereda
de finos artifícios
que teceram
com palha a fogueira das malícias,
benesses pesadelas:
teu passo elefantino e orgulhoso
com seus troféus de espanto e garrotes
novos à garota agradecida.
Seja-te leve esse esconjuro
de sal e ardósia,
esta laje com jeito
e faina de esfiapar-te
da lembrança,
cataventos
de cartas de amor despedaçadas.

Mil vezes

1

Só quem foi cicatrizado
muitas vezes
guarda
o vidrinho de Merthiolate.
Só quem foi cicatrizado
num exorcismo
mil vezes
tem uma fronha de lenços
onde a cabeça mal sonha.

2

Só quem foi acordado
no meio da noite
mil vezes
pelo corte pontiagudo
acorda por acordar,
acorda escancarado
com as portas batendo saltos,
guarda
um remedinho de trincos.

Só quem acorda mil vezes
não sabe mais quando dorme.

Alergia 2

Já repeti o velho encantamento
e o antigo deus Xipanto não azarou
na minha gleba de piche solferina.
Peguei o convescote, as sandálias murchas
e mudei de travesseiro lírico,
para afinar meu sambão em outros infernos.

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