Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Solano Trindade



Gravata colorida

Quando eu tiver bastante pão para meus filhos
para minha amada
pros meus amigos

e pros meus vizinhos quando eu tiver livros para ler
então eu comprarei uma gravata colorida larga

bonita
e darei um laço perfeito e ficarei mostrando
a minha gravata colorida a todos os que gostam de gente engravatada...


Navio Negreiro

Lá vem o navio negreiro
Lá vem ele sobre o mar
Lá vem o navio negreiro 

Vamos minha gente olhar...
Lá vem o navio negreiro 
Por água brasiliana
Lá vem o navio negreiro 

Trazendo carga humana...
Lá vem o navio negreiro 
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro 

Cheinho de poesia...
Lá vem o navio negreiro 
Com carga de resistência 
Lá vem o navio negreiro 
Cheinho de inteligência...

Velho atabaque

Velho atabaque
quantas coisas você falou para mim 

quantos poemas você anunciou
Quantas poesias você me inspirou 
às vezes cheio de banzo
às vezes com alegria
diamba rítmica
cachaça melódica
repetição telúrica
maracatu triste
mas gostoso como mulher...

Triste maracatu
escravo vestido de rei 

loanda distante do corpo 
e pertinho da alma 
negras sem desodorante 
com cheiro gostoso
de mulher africana

zabumba batucando
na alma de eu...

Velho atabaque madeira de lei
couro de animais
mãos negras lhe batem

e o seu choro é música 
e com sua música dançam
os homens inspirados de luxúria
e procriação
Velho atabaque
gerador de humanidade...

Bolinhas de gude
Jorginho foi preso
quando jogava bolinha de gude
não usou arma de fogo
nem fez brilhar sua navalha
Jorginho era criança igual às outras
queria brincar
O brinquedo poderia ser um revólver
uma navalha
um pandeiro
quem sabe um cavalinho de pau
Jorginho queria brincar
Jorginho viu um filme americano
no outro dia
fez uma quadrilha de mentirinha
sempre brincando
a quadrilha foi ficando de verdade
Jorginho ficou grande como Pelé
todos os dias saía no jornal...
Televisionado
só não deu autógrafo
porque estava algemado
 
Ele era o facínora
que brincava com bolinhas de gude.