Uma dor
O vento soprava árvores da esquerda
Ao fundo, o menino tocava o violão preso no ombro,
como um pequeno navio adernado.
Uma dor
no mundo
rachava tudo fino e longe,
cinema mudo.
Ao fundo, o menino tocava o violão preso no ombro,
como um pequeno navio adernado.
Uma dor
no mundo
rachava tudo fino e longe,
cinema mudo.
Princípio
A morta abriu o dia radioso
com a cortina da sua despedida.
Partiu no meio os cabelos vagarosos
escorrendo ainda de lembranças,
vestiu o vestido precioso
e saiu à procura, sôfrega,
de outras tantas, verdadeiras vidas.
Litoral (poemas portugueses)
Estávamos um diante do outro
como um só espelho de ouro.
Entre nós corria o rio rubro
e era tempo de despedida.
Portugal, Espanha ou as cícladas,
é tempo, mas de frutas cítricas
para ter nas mãos a colhida,
ácida, consentida, súplice vida.
Recém-casado
É pelos corpos que nos perdemos
de nós mesmos, para nos ganharmos.
É pelos beijos que nos despedimos
para nos encontrarmos pelos olhos.
É pela pele que escaldamos
o que em nós havia de secreto:
e é o nosso corpo entregue um corpo
estranho
pois pertence só a quem amamos
por quem morosamente devassamos
o alheamento da carne -
o barqueiro, o pastor que a atravessa
num profundo arremesso vagaroso
levantando ondas, ondas, ondas e
ervas
a subir e descer vagas e montes
levando-me com ele à raia clara
onde água a quebrar-se eu me
constele
na sua barca, conduzida à praia.
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