Outros papos
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Paulo Bonfim
Soneto de transfiguração
Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonias.
Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.
Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha
Onde sonham morrer os albatrozes…
Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo.
Outro serei amanhã
Outro serei amanhã
Quando o silêncio pousar
Na rosa branca dos ventos
Rosa de espuma e luar.
Outro serei, quando as aves
Voltarem da tempestade,
Trazendo a luzir na treva
Sementes de eternidade.
Outro serei, quando a noite,
Como nunca, de mansinho,
Vier espreitar-me os passos,
Junto à incerteza e ao caminho.
Outro serei amanhã
E entre dois esquecimentos
Levarei meu sorriso
Basta ser o outro
Basta de ser o outro…
O herdeiro da terra,
O neto de seus avós!
Basta de ser
O que leu
E o que ouviu…
À terra devolvo
O cálcio, o ferro, o fósforo;
À núvem devolvo a água rubra,
Aos mortos,
As angústias herdadas,
Aos vivos
Os gestos e as palavras recebidas…
Basta de ser o outro,
Colcha de retalhos alheios,
Cobrindo um frio verdadeiro.
Pastor já fui desse rebanho alado
Pastor já fui desse rebanho alado,
Que pelos céus caminha, pensativo,
A ruminar a grama azul do prado
E a desmanchar-se em pensamento vivo.
Pastor já fui de olhar perdido e calmo,
Guardando as reses pelo campo etéreo,
Entoei sobre a campina cada salmo
De um livro que perdi sobre o mistério.
Já fui pastor fora de certo espaço,
Das loucas dimensões em que me banho,
Não sei se é no futuro em que me abraço
Ou no passado desse meu rebanho!
Pastor já fui, hoje arrebanho a mágoa
Do meu rebanho a desfazer-se em água.
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