O longe e o perto
Logo que a noite envolve em sombras o jardim Parece que um mistério estranho me rodeia, Bocas de flores se entreabrem para mim, E não sei de quem são estes passos na areia Nem este murmurar de uma queixa sem fim. Como a seiva da terra alimenta as raízes, Uma seiva secreta enche meu coração. Deve ser o tal "gosto amargo de infelizes", Plantinha sempre verde entre as pedras do chão, Cujo travo provei em todos os países. Tudo que pude fiz para não ser assim, Mas não posso esquecer o longe pelo perto; Os que amei e perdi dormem dentro de mim; A culpa é minha, sou eu mesmo que os desperto, Logo que a noite envolve em sombras o jardim. |
Anjo de
outrora
O anjo de outrora, adormecido na minha alma, Acordou esta noite e espiou nos meus olhos: A lágrima caída ainda há pouco era dele. Foi ele que a esqueceu à porta dos meus olhos, Com o discreto pudor com que à porta da igreja Deixamos cair a esmola na mão de um pobre.
Esquecer
Longos dias de sonho e de repouso... Ócio e doçura... Sinto, nestes dias, Meu corpo amolecer, voluptuoso, Num desfalecimento de energias. A ler o meu poeta doloroso E a fumar, passo as horas fugidias. Entre um cigarro e um verso vaporoso Sou todo evocações e nostalgias. Quando por tudo a claridade morre E sobre as folhas do jardim doente A tinta branca do luar escorre, A minha alma, a mercê de velhas mágoas, É um pássaro ferido mortalmente Que vai sendo arrastado pelas águas.
Ilha
distante
Ilha de melancolia, Sem portos e sem cidades — Só praias de areia fria E coqueiros com saudades; Praias de uma areia morta, Conchas que ninguém apanha, Coqueiros que o vento corta, Brandido por mão estranha; Morta já à flor da onda A espuma a sumir na areia; Nenhuma voz que responda Aos ais que o vento semeia; Ilha deserta, deserta, Nem sequer junto a outra ilha; E à noite uma luz incerta Que não se sabe onde brilha; Ilha de um só habitante, Com seu mar fora do mundo, Mar que na maré vazante Cava cem braças de fundo — Ainda hás de ser a alegria De um vaporzinho cargueiro Que a ti chegará um dia Perdido no nevoeiro. |
Outros papos
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Ribeiro Couto
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário