A suave pantera (duas primeiras estrofes)
1. Como qualquer animal,
olha as grades flutuantes.
Eis que as grades são fixas:
ela, sim, é andante.
Sob a pele, contida
- em silêncio e lisura -
a força do seu mal,
e a doçura, a doçura,
que escorre pelas pernas
e as pernas habitua
a esse modo de andar,
de ser sua, ser sua,
no perfeito equilíbrio
de sua vida aberta:
una e atenta a si mesma,
suavíssima pantera.
2. É suave, suave, a pantera,
mas se a quiserem tocar
sem a devida cautela,
logo a verão transformada
na fera que há dentro dela.
O dente de mais marfim
na negrura toda alerta,
e ser de princípio a fim
a pantera sem reservas,
o fervor, a força lúdica
da unha longa e descoberta,
o êxtase de sua fúria
sob o melindre que a fera,
em repouso, se a não tocam,
como que tem na singela
forma que não se alvoroça
por si só, antes parece,
na mansa, mansa e lustrosa
pelúcia com que adorna,
uma viva, intensa jóia.
A cidade
Sobre o rio, sobre as casas,
cúpulas, ponte, avenidas,
com acertos de acrobata,
pássaros metade luz,
metade sombra, levantam
o meio-dia de prata.
Nenhum silêncio mais puro
que o destes azuis prateados,
com cimos de catedral,
ciranda de ventos e anjos;
com aves de plumas negras,
negro ritmo nos telhados.
Ao longe campos perdidos
verdejam de hastes e canas.
E são espadas flexíveis,
verdes, livres oferendas.
E moinhos que vão rodando
duro rito de moendas.
No centro a praça mais ampla:
edifícios, plantas, água,
e bronze de monumentos.
Tudo tão perfeito e certo,
como se eu estivesse junto,
num ramo claro de vento.
Epigrama
Bom é ser árvore, vento:
sua grandeza inconsciente.
E não pensar, não temer.
Ser, apenas. Altamente.
Permanecer uno e sempre
só e alheio à própria sorte.
Com o mesmo rosto tranquilo
diante da vida e da morte.
Outros papos
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário