Beira-mar
O menino olha extasiado a maré encolher-se.
O que era água agora é lamaçal cinza
e os homens bonecos de barro sem pernas
caranguejam atrás de sua imagem e semelhança
– e alguma lata de conserva
que se finge de baiacu de alumínio.
O menino vê o Rio Anil ser engolido pela maré.
Para onde foi tanta água?
O menino também é uma maré vazia perplexidade
vento soprando mangue maré vagueza.
O mangue esponja em seu bolo fecal.
Tarde, tarde, o menino olha a tarde,
o fenômeno é reversível,
maré retrátil,
ele sabe que, como a vida,
amanhã voltará a acontecer.
O menino olha extasiado a maré encolher-se.
O que era água agora é lamaçal cinza
e os homens bonecos de barro sem pernas
caranguejam atrás de sua imagem e semelhança
– e alguma lata de conserva
que se finge de baiacu de alumínio.
O menino vê o Rio Anil ser engolido pela maré.
Para onde foi tanta água?
O menino também é uma maré vazia perplexidade
vento soprando mangue maré vagueza.
O mangue esponja em seu bolo fecal.
Tarde, tarde, o menino olha a tarde,
o fenômeno é reversível,
maré retrátil,
ele sabe que, como a vida,
amanhã voltará a acontecer.
O rosto
Na sombra, os rostos têm todas as feições
porque nela cabe a imaginação
cuja cara é uma deusa sem rosto.
Por isso te vejo em todas as sombras —
sombras do quarto e da noite.
Por isso estás também
em minha mente
que vive em permanente sombra.
A arte do corpo
Numa dessas Bienais de São Paulo,
vi de longe, sozinho, passarinho,
o poeta Mário Quintana.
Durante anos a imagem – peixe azul – me perseguiu.
Por fim, entendi a recorrência:
Mário Quintana era móbile,
magra body-art,
andar performático,
existência conceitual,
em seus parangolés de ossos e calvícies,
em sua lígias & papes
de velho movido a arame,
seu corpo virtual,
ali, entre os cimentos desarmados do Ibirapuera.
O tempo
O tempo e sua matéria
a máquina dos meus humores
tão rica e mineral
enquanto lá fora
a sonata dos desatinos
orquestra o boi que se estende no varal.
O tempo e sua miséria,
deus negro que não encontra o sono.
O tempo e sua morfologia
feita de nada e de tudo
como alguém que anda
com os calcanhares para a frente.
O tempo e sua bílis negra,
atrabiliário e perverso,
monstro do Loch Ness,
ó profundeza feita de vazio.
O tempo e sua caixa de música
o lugar dos sons prisioneiros
que se escuta é o silêncio das horas
lambendo o ar rarefeito.
O tempo – animal que não envelhece,
nós é que passamos por ele
como alguém que acena de um ônibus
para a imobilidade saudosa
de um bar à beira da estrada.
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