Não sou o que te quer. Sou o que desce
a ti, veia por veia, e se derrama
à cata de si mesmo e do que é chama
e em cinza se reúne e se arrefece.
Anoitece contigo. E me anoitece
o lume do que é findo e me reclama.
Abro as mãos no obscuro. Toco a trama
que lacuna a lacuna amor se tece.
Repousa em ti o espanto que em mim dói,
norturno. E te revolvo. E estás pousada,
pomba de pura sombra que me rói.
E mordo teu silêncio corrosivo,
chupo o que flui, amor, sei que estou vivo
e sou teu salto em mim, suspenso em nada.
O espírito da letra
Ao pé da letra agora, em minha vida
há a morte e uma mulher... E a letra dela,
a primeira, me busca e me martela
ouvido adentro a mesma despedida
outra vez e outra vez, sempre espremida
entre as vogais do amor... Mas como vê-la
sem exumar uma vez mais a estrela
que há anos-luz se esbate sem saída,
sem prazo de morrer na luz que treme?!
O mostro que eu matei deixou-me a marca
suas pernas abertas ante a Parca
aparecem-me em tudo: é a letra M
a da Medusa que eu amei, a barca
sem amarras, sem remos e sem leme...
I.
Porque o amor não entende
que tudo quer passar,
nunca, nunca consente,
a nada o seu lugar.
Planta presa, de alpendre,
sacudindo no ar
braços impenitentes,
tenazes, em lugar
de aceitar que não prende
nada, o amor quer dar
apaixonadamente
laços à luz solar
e é noite de repente.
II.
Se ainda te iluminar
com um olhar novamente,
sei que não vais estar
tão perto; a alma entende,
o corpo quer gritar!
Porque o olhar apreende
mais do que alcança dar,
à distância, na mente,
de que vale um olhar
com a noite pela frente?
Essa noite que tende
a unir e separar
inapelavelmente...
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