É preciso
É preciso ser duro
como a pedra que parte
como
a parte da pedra
que penetra a parede
e a parte
Como a rede que não
vaza
como o vaso que não quebra
como a pedra que fende
o paredão da
casa
E é preciso ser fraco
é preciso ter siso
e simulacro. É
preciso
todos os dias vencer
os deuses pigmeus/golias
É preciso ter
cara
e ter coragem
É cada vez mais raro
quem assim reage
É
preciso ser duro
como o murro
como o muro
e é preciso ser doce
como
se anteparo
de vidro
o muro fosse
É cada vez mais raro
ser duro
e doce
cada vez mais torpe
ser apenas duro
cada vez mais nulo
ser
apenas doce
cada vez mais duro
ser o muro e a nuvem
como se um só
fossem.
Pão nosso
Amanhã nosso pão terá pedra — e o comeremos.
Ao
parti-lo, amanhã, nosso pão será de pedra
e o comeremos.
Ao se partir em
dois, o pão que a nossa fome espera,
será pedra,
e o comeremos.
Pois aceitar é o que estamos
fazendo neste dia, pois aceitar
é o
que viemos fazendo nos dias
que antecederam mais um, que é este dia;
pois aceitar é o que vamos fazendo sem sentir
como quem come a pedra em
vez do pão
pensando o pão.
Partindo-o, partiremos um seixo apenas.
Um seixo, afinal, que em vez de atirá-lo
— comeremos.
Poema para meu pai
Meu pai morreu longe de mim
(eu é que
estava longe dele).
Tantos anos se passaram
e ainda não lhe vi a
sepultura.
Continuo longe. Mas sua presença
me sacode como um choque
elétrico,
uma bebida forte que me arde
por dentro.
Está vivo nos
meus dedos,
nos cabelos ralos
— a nuca, dá arrepios de se ver.
Está
cada vez mais perto de mim
(eu é que estou mais perto dele).
Canto nupcial
Agora que estás amadurecida para o amor
e em
teu sexo a peregrinação das luas se sucede,
escuta, Amada, o meu canto
nupcial.
De tua fronte penderão corimbos,
anêmonas e as últimas
pervincas dilatadas em maio;
teus seios recenderão a malvas adormecidas
no sereno das madrugadas suspensas;
uma orquídea equatorial, grande como
um símbolo,
cingirás ao ventre
e, em teu sexo nu, a flor estonteante
de tua própria pureza conservada.
Quero-te assim — floral, assim
meio bárbara,
que o nosso amor contém um pouco da força dionisíaca
da
terra;
e teu ventre redondo — abrigo de sóis —
palpita na esperança
genital da espécie.
No chão,
tomando-te os cabelos, ansiosa de meu
amor de esposo,
gritarás aos caules que nos cercam,
para as frondes que
nos cobrem,
que propício é o tempo de tua flor esmagada
se tornar em
fruto.
E rolaremos nos rituais sagrados da progênie:
teus seios —
como duas luas gêmeas — crescerão
em suas fases;
teu ventre, penetrado
de vida, se distenderá
na lenteza das horas
e o próprio chão em torno se
gretará pelas raízes
que emergem sôfregas de ser.
Outros papos
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