Não é o ângulo reto que me atrai.
Nem a linha reta, dura, inflexível,
criada pelo homem.
O que me atrai é a curva livre e
sensual.
A curva que encontro nas
montanhas do meu país,
no curso sinuoso dos seus rios,
nas nuvens do céu,
no corpo da mulher amada.
De curvas é feito todo o universo.
O universo curvo de Einstein.
Estou longe de tudo
de tudo que gosto,
dessa terra tão linda
que me viu nascer.
Um dia eu me queimo,
meto o pé na estrada,
é aí, no Brasil,
que eu quero viver.
Cada um no seu canto,
cada um no seu tecto,
a brincar com os amigos,
vendo o tempo correr.
Quero olhar as estrelas,
quero sentir a vida,
é aí, no Brasil,
que eu quero viver.
Estou puto da vida,
esta gripe não passa,
de ouvir tanta besteira
não me posso conter.
Um dia me queimo,
e largo isto tudo,
é aí, no Brasil,
que eu quero viver.
Isto aqui não me serve,
não me serve de nada,
a decisão está tomada,
ninguém me vai deter.
Que se foda o trabalho,
e este mundo de merda,
é aí, no Brasil,
que eu quero viver.
Outros papos
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
sábado, 21 de janeiro de 2012
José Saramago
Aprendamos, Amor
Aprendamos, amor, com estes montes
Que, tão longe do mar, sabem o jeito
De banhar no azul dos horizontes.
Façamos o que é certo e de direito:
Dos desejos ocultos outras fontes
E desçamos ao mar do nosso leito.
Arte de Amar
Metidos nesta pele que nos refuta,
Dois somos, o mesmo que inimigos.
Grande coisa, afinal, é o suor
(Assim já o diziam os antigos):
Sem ele, a vida não seria luta,
Nem o amor amor.
Química
Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.
Passado, Presente, Futuro
Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.
Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.
Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.
Poeta não é gente, é bicho coisa
Que da jaula ou gaiola vadiou
E anda pelo mundo às cambalhotas,
Recordadas do circo do circo que inventou.
Estende no chão a capa que o destapa,
Faz do peito tambor, e rufa, salta,
É urso bailarino, mono sábio
Ave torta de bico e pernalta.
Ao fim toca a charanga do poema,
Caixa, fagote, notas arranhadas,
E porque bicho é bicho, lá fica,
A cantar às estrelas apagadas.
Aprendamos, amor, com estes montes
Que, tão longe do mar, sabem o jeito
De banhar no azul dos horizontes.
Façamos o que é certo e de direito:
Dos desejos ocultos outras fontes
E desçamos ao mar do nosso leito.
Arte de Amar
Metidos nesta pele que nos refuta,
Dois somos, o mesmo que inimigos.
Grande coisa, afinal, é o suor
(Assim já o diziam os antigos):
Sem ele, a vida não seria luta,
Nem o amor amor.
Química
Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.
Passado, Presente, Futuro
Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.
Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.
Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.
Poeta não é gente, é bicho coisa
Que da jaula ou gaiola vadiou
E anda pelo mundo às cambalhotas,
Recordadas do circo do circo que inventou.
Estende no chão a capa que o destapa,
Faz do peito tambor, e rufa, salta,
É urso bailarino, mono sábio
Ave torta de bico e pernalta.
Ao fim toca a charanga do poema,
Caixa, fagote, notas arranhadas,
E porque bicho é bicho, lá fica,
A cantar às estrelas apagadas.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Ciro José Tavares
Aqua Iris
Que estranho silêncio
à tua vinda quase sempre ocorre.
Se chegas tarde ou cedo,
vens, muitas vezes, triste,
fria, indiferente.
Que misteriosa solidão
à tua permanência quase sempre ocorre.
Talvez porque cantas, horas,
a mesma monocórdica canção,
intempestiva, titânica,
pouco a pouco adágio.
Final frágil como um fio de vidro,
espelho transparente do teu corpo
prolongado, cristalino,
quase vertical.
Síntese
Porque plantei roseiras,
colhi ventos;
porque nasci auroras,
morri tardes;
porque criei canções,
ouvi silêncios;
porque andei espaços,
achei vazios
porque me fiz sorrisos,
fui lágrimas;
porque voltei,
anoiteci.
A Oeste de Galahad (excertos)
Quando em tempos de mim
começam ocasos,
viagem
retorno inexorável,
quero-me invisível
repousado eterno,
antes que se fragmentem os dias.
Quero-me eterno
no magma invisível de Castor.
....................................................................
Não me importa mais a morte.
A morte,
quando me alcançam seus mistérios,
ensina-me apenas a morrer.
Importa agora a vida.
O mistério de viver.
A vida,
nos repetidos recomeços,
sempre será fascinante labirinto.
Adoecida
ou suspensa por um fio quebradiço,
existe a esperança.
Vidas semelhantes manipulam
invisíveis rocas quânticas
para impedir o fim
e prolongar o tempo.
Que estranho silêncio
à tua vinda quase sempre ocorre.
Se chegas tarde ou cedo,
vens, muitas vezes, triste,
fria, indiferente.
Que misteriosa solidão
à tua permanência quase sempre ocorre.
Talvez porque cantas, horas,
a mesma monocórdica canção,
intempestiva, titânica,
pouco a pouco adágio.
Final frágil como um fio de vidro,
espelho transparente do teu corpo
prolongado, cristalino,
quase vertical.
Síntese
Porque plantei roseiras,
colhi ventos;
porque nasci auroras,
morri tardes;
porque criei canções,
ouvi silêncios;
porque andei espaços,
achei vazios
porque me fiz sorrisos,
fui lágrimas;
porque voltei,
anoiteci.
A Oeste de Galahad (excertos)
Quando em tempos de mim
começam ocasos,
viagem
retorno inexorável,
quero-me invisível
repousado eterno,
antes que se fragmentem os dias.
Quero-me eterno
no magma invisível de Castor.
....................................................................
Não me importa mais a morte.
A morte,
quando me alcançam seus mistérios,
ensina-me apenas a morrer.
Importa agora a vida.
O mistério de viver.
A vida,
nos repetidos recomeços,
sempre será fascinante labirinto.
Adoecida
ou suspensa por um fio quebradiço,
existe a esperança.
Vidas semelhantes manipulam
invisíveis rocas quânticas
para impedir o fim
e prolongar o tempo.
Pedro Tierra (Hamilton Pereira)
Memória da Pedra
Catedral.
Organizadora das ruas.
Submete casarões
e ranchos à sua ordem.
Vigia a alma do rio.
Guardiã.
Balada Despida de Música
Para Mestre André II
Pés rachados.
Sandálias de couro cru.
Mestre André,
areia e pó.
Remo lavrado
em madeira de lei.
Canoa, canoa velha,
desenho de flecha
e de peixe,
morena, madeira nua.
Carrega luas
na proa.
Pistoleiro
(no instante que sucede ao crime)
Impossível medir
com os precários instrumentos do peito
a profundidade do silêncio
que me cerca
apunhalada pela solidão
do grito.
A Vertigem do Voo
O fio que prende a pipa
é mesmo que a empina.
Não a prende, liberta,
é a frágil
condição do voo.
É o laço, - traço débil -
entre a vertigem do voo
e os pés no chão
de quem sonha.
Vento, cor e papel
é o sonho de pássaro
do menino sem asas
sustentado no céu.
Catedral.
Organizadora das ruas.
Submete casarões
e ranchos à sua ordem.
Vigia a alma do rio.
Guardiã.
Balada Despida de Música
Para Mestre André II
Pés rachados.
Sandálias de couro cru.
Mestre André,
areia e pó.
Remo lavrado
em madeira de lei.
Canoa, canoa velha,
desenho de flecha
e de peixe,
morena, madeira nua.
Carrega luas
na proa.
Pistoleiro
(no instante que sucede ao crime)
Impossível medir
com os precários instrumentos do peito
a profundidade do silêncio
que me cerca
apunhalada pela solidão
do grito.
A Vertigem do Voo
O fio que prende a pipa
é mesmo que a empina.
Não a prende, liberta,
é a frágil
condição do voo.
É o laço, - traço débil -
entre a vertigem do voo
e os pés no chão
de quem sonha.
Vento, cor e papel
é o sonho de pássaro
do menino sem asas
sustentado no céu.
Cassiano Nunes
Washington Square
De madrugada,
atravesso o parque
deserto.
Ficou
de minha propriedade
particular.
Até a névoa
me pertence.
A estrela
fui eu que inventei.
Contemplando o porto de Nova Iorque
Amo o que há de ambíguo
num porto do mar,
que convida a partir
e ensina a ficar ...
Talvez por ter sido
um prisioneiro,
cristalizei em mitos:
navio e marinheiro!
Agora, corro mundo ...
Não importa aonde vá!
Levo comigo o música
do cais do Paquetá!
Conversa com Cecília
Conversei a noite toda com Cecília,
a quem nunca encontrei, quando viva.
Havia, em sua voz, a maciez das plumas
e, em sua alma, a resistência da sempre-viva.
Era-nos tão familiar o ambiente
que nem nos queixamos do esquema da morte.
Os quatro pontos cardeais
já não existem mais.
Mas, nas veias, sabíamos o roteiro do Norte.
Noturno nº 1
Nunca me sinto pobre,
ao contemplar as estrelas.
Qualquer doido
(eu)
possui
o latifúndio do céu.
Aguardente negra e gratuita
a noite me embriaga.
Sonho melhor
acordado.
De madrugada,
atravesso o parque
deserto.
Ficou
de minha propriedade
particular.
Até a névoa
me pertence.
A estrela
fui eu que inventei.
Contemplando o porto de Nova Iorque
Amo o que há de ambíguo
num porto do mar,
que convida a partir
e ensina a ficar ...
Talvez por ter sido
um prisioneiro,
cristalizei em mitos:
navio e marinheiro!
Agora, corro mundo ...
Não importa aonde vá!
Levo comigo o música
do cais do Paquetá!
Conversa com Cecília
Conversei a noite toda com Cecília,
a quem nunca encontrei, quando viva.
Havia, em sua voz, a maciez das plumas
e, em sua alma, a resistência da sempre-viva.
Era-nos tão familiar o ambiente
que nem nos queixamos do esquema da morte.
Os quatro pontos cardeais
já não existem mais.
Mas, nas veias, sabíamos o roteiro do Norte.
Noturno nº 1
Nunca me sinto pobre,
ao contemplar as estrelas.
Qualquer doido
(eu)
possui
o latifúndio do céu.
Aguardente negra e gratuita
a noite me embriaga.
Sonho melhor
acordado.
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Clarice Lispector - Entrevista
Excertos de Clarice Lispector
Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever.
Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.
Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós.
O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.
Sou um coração batendo no mundo.
Não se conta tudo porque o tudo é um oco nada.
E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.
Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo.
Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.
Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós.
O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.
Sou um coração batendo no mundo.
Não se conta tudo porque o tudo é um oco nada.
E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.
Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo.
domingo, 15 de janeiro de 2012
Machado de Assis
Livros e flores
Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
Círculo Vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
- Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela !
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
- Pudesse eu copiar o transparente lume,
que, da grega coluna á gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela !
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
- Misera ! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal, que toda a luz resume !
Mas o sol, inclinando a rutila capela:
- Pesa-me esta brilhante aureola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?
a Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala;
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.
Meu coração dolorido
As suas mágoas exala,
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.
Pudesse eu eternamente,
Ao lado dela, escutá-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.
Minha alma, já semimorta,
Conseguira ao céu alçá-la
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala.
Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
Círculo Vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
- Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela !
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
- Pudesse eu copiar o transparente lume,
que, da grega coluna á gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela !
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
- Misera ! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal, que toda a luz resume !
Mas o sol, inclinando a rutila capela:
- Pesa-me esta brilhante aureola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?
a Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala;
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.
Meu coração dolorido
As suas mágoas exala,
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.
Pudesse eu eternamente,
Ao lado dela, escutá-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.
Minha alma, já semimorta,
Conseguira ao céu alçá-la
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Dante Milano
Furtivo
Passeando num jardim inexistente
Encontrarás uma mulher ausente ...
Segue-a. Fala-lhe. Espera que ela te olhe,
Beija-lhe a mão antes que se desfolhe,
Depois, no ouvido, dize-lhe o que sentes,
Expressa-lhe, em palavras balbuciantes,
Com voz arfante e comoção sincera
A paixão que te faz tremer os dentes ...
Antiga Jovem
Para sempre esquecida, antiga jovem.
Sobre a sua lembrança caem folhas
Secas no chão e há muito tempo chove ...
Já não consigo mais rever o rosto
Sem traços nem o olhar da minha amiga
Há tanto tempo desaparecida,
Aquela que ao morrer tornou-se antiga.
Cenário
Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.
Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua!
Passeando num jardim inexistente
Encontrarás uma mulher ausente ...
Segue-a. Fala-lhe. Espera que ela te olhe,
Beija-lhe a mão antes que se desfolhe,
Depois, no ouvido, dize-lhe o que sentes,
Expressa-lhe, em palavras balbuciantes,
Com voz arfante e comoção sincera
A paixão que te faz tremer os dentes ...
Antiga Jovem
Para sempre esquecida, antiga jovem.
Sobre a sua lembrança caem folhas
Secas no chão e há muito tempo chove ...
Já não consigo mais rever o rosto
Sem traços nem o olhar da minha amiga
Há tanto tempo desaparecida,
Aquela que ao morrer tornou-se antiga.
Cenário
Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.
Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua!
Salomão Souza
Poemas sem nome *
Ainda que não fossem
as cicratizes nas mãos
os diluídos ossos
levantados dos fósseis
ainda seria o coldre
a montanha escorregadia
um pouco a cada dia
as pedras sobre o coração
Ainda existiria o instante
tangível da memória
o gume germinador
de estrelas e de espigas
Ainda que não venha nenhum barco
e bruma alguma traga a carga de lenha
Ainda que o barqueiro venha louco
e todo o aço da certeza afundará
Ainda que o vento atormente com fúria
e vá a madeira polida afundar-se
Ainda que a carga seja a lâmina
com o colo certo de degolar
Ainda que na porta anunciem
que a florada do dia irá muchar-se
Ainda que seja um vasto mar
e a alma em deleite vá secar-se
Ainda que o mar seja uma rocha
e no deserto o coração vá navegar
Ainda assim o faroleiro acenderá
A fornalha acredita
no atiçamento de todas as certezas
Anda com o conhecimento do fogo
e de todas as pátrias que o reverencia
E de repente não há fogo definitivo
(*poemas extraídos de Estoques de Relâmpagos, Bárbara Bela Editora Gráfica, Brasília, 2002)
Ainda que não fossem
as cicratizes nas mãos
os diluídos ossos
levantados dos fósseis
ainda seria o coldre
a montanha escorregadia
um pouco a cada dia
as pedras sobre o coração
Ainda existiria o instante
tangível da memória
o gume germinador
de estrelas e de espigas
Ainda que não venha nenhum barco
e bruma alguma traga a carga de lenha
Ainda que o barqueiro venha louco
e todo o aço da certeza afundará
Ainda que o vento atormente com fúria
e vá a madeira polida afundar-se
Ainda que a carga seja a lâmina
com o colo certo de degolar
Ainda que na porta anunciem
que a florada do dia irá muchar-se
Ainda que seja um vasto mar
e a alma em deleite vá secar-se
Ainda que o mar seja uma rocha
e no deserto o coração vá navegar
Ainda assim o faroleiro acenderá
A fornalha acredita
no atiçamento de todas as certezas
Anda com o conhecimento do fogo
e de todas as pátrias que o reverencia
E de repente não há fogo definitivo
(*poemas extraídos de Estoques de Relâmpagos, Bárbara Bela Editora Gráfica, Brasília, 2002)
domingo, 8 de janeiro de 2012
Poema do domingo
Vira,virou
josé carlos pelianovarando a varanda
varado de varada
virado de virada
vidrado de vidrada
os pés lhe pediam passagem
as pernas presas na calça
um rosto de anteontem no rosto
as horas se escondiam do relógio
o chão acomodava o corpo penso
penso que ouvia um gemido entrecortado
entre cortados do dia cortado
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Henriqueta Lisboa
É estranho
É estranho que, após o pranto
vertido em rios sobre os mares,
venha pousar-te no ombro
o pássaro das ilhas, ó náufrago.
É estranho que, depois das trevas
semeadas por sobre as valas,
teus sentidos se adelgacem
diante das clareiras, ó cego.
É estranho que, depois de morto,
rompidos os esteios da alma
e descaminhado o corpo,
homem, tenhas reino mais alto.
A mão sem jóias
descarnada
na pureza das veias.
A voz por um fio
desnuda
na palavra sem gesto.
O escuro em torno
e a lucidez
violenta lucidez terrível
batida de encontro ao rosto
como uma ofensa física.
Na imensidade sem pouso,
olhos duros
de pássaro.
É estranho que, após o pranto
vertido em rios sobre os mares,
venha pousar-te no ombro
o pássaro das ilhas, ó náufrago.
É estranho que, depois das trevas
semeadas por sobre as valas,
teus sentidos se adelgacem
diante das clareiras, ó cego.
É estranho que, depois de morto,
rompidos os esteios da alma
e descaminhado o corpo,
homem, tenhas reino mais alto.
Esse despojamento
Esse despojamento
esse amargo esplendor.
Beleza em sombra
sacrifício incruento.
Esse despojamento
esse amargo esplendor.
Beleza em sombra
sacrifício incruento.
A mão sem jóias
descarnada
na pureza das veias.
A voz por um fio
desnuda
na palavra sem gesto.
O escuro em torno
e a lucidez
violenta lucidez terrível
batida de encontro ao rosto
como uma ofensa física.
Na imensidade sem pouso,
olhos duros
de pássaro.
Vem, doce morte
Vem, doce morte. Quando queiras.
Ao crepúsculo, no instante em que as nuvens
desfilam pálidos casulos
e o suspiro das árvores - secreto -
não é senão prenúncio
de um delicado acontecimento.
Quanto queiras. Ao meio-dia, súbito
espetáculo deslumbrante e inédito
de rubros panoramas abertos
ao sol, ao mar, aos montes, às planícies
com celeiros refertos e intocados.
Quando queiras. Presentes as estrelas
ou já esquivas, na madrugada
com pássaros despertos, à hora
em que os campos recolhem as sementes
e os cristais endurecem de frio.
Tenho o corpo tão leve (quando queiras)
que a teu primeiro sopro cederei distraída
como um pensamento cortado
pela visão da lua
em que acaso - mais alto - refloresça.
Vem, doce morte. Quando queiras.
Ao crepúsculo, no instante em que as nuvens
desfilam pálidos casulos
e o suspiro das árvores - secreto -
não é senão prenúncio
de um delicado acontecimento.
Quanto queiras. Ao meio-dia, súbito
espetáculo deslumbrante e inédito
de rubros panoramas abertos
ao sol, ao mar, aos montes, às planícies
com celeiros refertos e intocados.
Quando queiras. Presentes as estrelas
ou já esquivas, na madrugada
com pássaros despertos, à hora
em que os campos recolhem as sementes
e os cristais endurecem de frio.
Tenho o corpo tão leve (quando queiras)
que a teu primeiro sopro cederei distraída
como um pensamento cortado
pela visão da lua
em que acaso - mais alto - refloresça.
Joaquim Cardozo
Menina
Os teus olhos de água,
Olhos frios e longos,
Esta noite penetraram.
Esta noite me envolveram.
Bem querida madrugada...
Olhos de sombra, olhos de tarde
Trazem miragens de meninas...
Bundas que parecem rosas.
Sob o caminho de muitas luas
O teu corpo floresceu.
Os teus olhos de água,
Olhos frios e longos,
Esta noite penetraram.
Esta noite me envolveram.
Bem querida madrugada...
Olhos de sombra, olhos de tarde
Trazem miragens de meninas...
Bundas que parecem rosas.
Sob o caminho de muitas luas
O teu corpo floresceu.
Aquarela
Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela;
Cheiro de chão que amanhece.
Estavas sob a latada
Quando te abri a janela.
Cheiro de jasmim laranja
Pelos jardins anoitece;
Junto a papoulas dobradas,
Num canteiro florescendo,
A tua saia singela.
Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela...
Não sei se és tu, se eras outra,
Não sei se és esta ou aquela,
A que não quis nem me quer,
Fugindo sob a latada
Nessa tarde de aquarela.
Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela...
Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela;
Cheiro de chão que amanhece.
Estavas sob a latada
Quando te abri a janela.
Cheiro de jasmim laranja
Pelos jardins anoitece;
Junto a papoulas dobradas,
Num canteiro florescendo,
A tua saia singela.
Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela...
Não sei se és tu, se eras outra,
Não sei se és esta ou aquela,
A que não quis nem me quer,
Fugindo sob a latada
Nessa tarde de aquarela.
Macaíbeiras chovendo
Cheiro de flor amarela...
Poema
Eu não quero o teu corpo
Eu não quero a tua alma,
Eu deixarei intato o teu ser a tua pessoa inviolável
Eu quero apenas uma parte neste prazer
A parte que não te pertence.
Eu não quero o teu corpo
Eu não quero a tua alma,
Eu deixarei intato o teu ser a tua pessoa inviolável
Eu quero apenas uma parte neste prazer
A parte que não te pertence.
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Músico Poeta Brasileiro (MPB) - Gilberto Gil / Estrela
Gilberto Gil
Super-Homem, a Canção
Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria
Que o mundo masculino tudo me daria
Do que eu quisesse ter
Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara
É a porção melhor que trago em mim agora
É o que me faz viver
Quem dera pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera
Ser o verão no apogeu da primavera
E só por ela ser
Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um Deus o curso da história
Por causa da mulher
Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um deus o curso da história
Por causa da mulher
DrãO
Que o mundo masculino tudo me daria
Do que eu quisesse ter
Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara
É a porção melhor que trago em mim agora
É o que me faz viver
Quem dera pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera
Ser o verão no apogeu da primavera
E só por ela ser
Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um Deus o curso da história
Por causa da mulher
Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um deus o curso da história
Por causa da mulher
DrãO
Drão!
O amor da gente
É como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela estrada escura...
Drão!
Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monolito
Nossa arquitetura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora
Drão!
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão
drão!
drão!
A Paz
O amor da gente
É como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela estrada escura...
Drão!
Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monolito
Nossa arquitetura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora
Drão!
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão
drão!
drão!
A Paz
A paz invadiu o meu coração
De repente, me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde eu já não me enterro mais
A paz fez um mar da revolução
Invadir meu destino; A paz
Como aquela grande explosão
Uma bomba sobre o Japão
Fez nascer o Japão da paz
Eu pensei em mim
Eu pensei em ti
Eu chorei por nós
Que contradição
Só a guerra faz
Nosso amor em paz
Eu vim
Vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou ao fim
Onde o fim da tarde é lilás
Onde o mar arrebenta em mim
O lamento de tantos "ais"
Flora
De repente, me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde eu já não me enterro mais
A paz fez um mar da revolução
Invadir meu destino; A paz
Como aquela grande explosão
Uma bomba sobre o Japão
Fez nascer o Japão da paz
Eu pensei em mim
Eu pensei em ti
Eu chorei por nós
Que contradição
Só a guerra faz
Nosso amor em paz
Eu vim
Vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou ao fim
Onde o fim da tarde é lilás
Onde o mar arrebenta em mim
O lamento de tantos "ais"
Flora
Imagino-te já idosa
Frondosa toda a folhagem
Multiplicada a ramagem
De agora
Tendo tudo transcorrido
Flores e frutos da imagem
Com que faço essa viagem
Pelo reino do teu nome
Ó, Flora
Imagino-te jaqueira
Postada à beira da estrada
Velha, forte, farta, bela
Senhora
Pelo chão, muitos caroços
Como que restos dos nossos
Próprios sonhos devorados
Pelo pássaro da aurora
Ó, Flora
Imagino-te futura
Ainda mais linda, madura
Pura no sabor de amor e
De amora
Toda aquela luz acesa
Na doçura e na beleza
Terei sono, com certeza
Debaixo da tua sombra
Ó, Flora
Frondosa toda a folhagem
Multiplicada a ramagem
De agora
Tendo tudo transcorrido
Flores e frutos da imagem
Com que faço essa viagem
Pelo reino do teu nome
Ó, Flora
Imagino-te jaqueira
Postada à beira da estrada
Velha, forte, farta, bela
Senhora
Pelo chão, muitos caroços
Como que restos dos nossos
Próprios sonhos devorados
Pelo pássaro da aurora
Ó, Flora
Imagino-te futura
Ainda mais linda, madura
Pura no sabor de amor e
De amora
Toda aquela luz acesa
Na doçura e na beleza
Terei sono, com certeza
Debaixo da tua sombra
Ó, Flora
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Músico Poeta Brasileiro (MPB) CHICO BUARQUE
Chico Buarque
Futuros Amantes
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
Construção
Pedaço de mim
Sinal Fechado
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
Construção
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague
Pedaço de mim
Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Leva os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus
Sinal Fechado
- Olá! Como vai?
- Eu vou indo. E você, tudo bem?
- Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro… E
você?
- Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo… Quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é, quanto tempo!
- Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios!
- Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
- Pra semana, prometo, talvez nos vejamos… Quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é… Quanto tempo!
- Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das
ruas...
- Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
- Por favor, telefone! Eu preciso beber alguma coisa,
rapidamente…
- Pra semana…
- O sinal…
- Eu procuro você…
- Vai abrir, vai abrir…
- Eu prometo, não esqueço, não esqueço…
- Por favor, não esqueça, não esqueça…
- Adeus!
- Adeus!
- Adeus!
- Eu vou indo. E você, tudo bem?
- Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro… E
você?
- Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo… Quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é, quanto tempo!
- Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios!
- Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
- Pra semana, prometo, talvez nos vejamos… Quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é… Quanto tempo!
- Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das
ruas...
- Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
- Por favor, telefone! Eu preciso beber alguma coisa,
rapidamente…
- Pra semana…
- O sinal…
- Eu procuro você…
- Vai abrir, vai abrir…
- Eu prometo, não esqueço, não esqueço…
- Por favor, não esqueça, não esqueça…
- Adeus!
- Adeus!
- Adeus!
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