Outros papos
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Adão Ventura
Encantamento
Você agora
é arco-íris
sol
de Três Barras
cristal
de São Gonçalo do Rio das Pedras
- Um caminhão transporta estrelas
do Pico do Itambé
- Um raio corta de fora a fora
os céus do Serro
Faça sol ou faça tempestade
faça sol ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.
faça sol ou faça tempestade
meu corpo é cercado
por estes muros altos,
— currais
onde ainda se coagula
o sangue dos escravos.
faça sol
ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.
Eu, pássaro preto
eu,
pássaro preto,
cicatrizo
queimaduras de ferro em brasa,
fecho o corpo de escravo fugido
e
monto guarda
na porta dos quilombos.
Panorâmicas Drumonndianas
Se esta consagração
de um ungir e lembranças
desata o menino antigo
já emoldurado em paredes.
Se estas sombras/cauê
montanhas de fracos giz
- peripécias em remotas
fotografias já tristes.
Se este corpo oitentão
de um Drummond ou mesmo Carlos
é sinal que no coração
ainda resta muitos talos.
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terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Magui Nólia
âmbar
âmbar ambas
um braço de tarde se arremete
um braço de noite se atreve
um braço de mar se intromete
âmbar ambas
a vida pára na imagem
a vida se esparrama na imagem
o olhar se inventa na imagem
âmbar ambas
ondas se propagam em cores
ondas se compõem em espelhos
cristais se enlaçam nas ondas
âmbar ambas
a gaivota traz o horizonte
a lua voa em noite cheia
o jequitibá observa na ponta dos pés
âmbar ambas
a realidade é densa
continua e não termina no gesto
atrás da manhã
a manhã estava nas primeiras gavetas do dia
vestida de cores ainda por fazer
e panos cobertos de desuso
a manhã estava era para ficar posta de lado
e eu para dela sair sem me servir
da roupa de atravessar horas a fio
e desbravar caminhos amontoados de desertos
eu não era para ficar à espreita
feito bicho anoitecido
era para varar o escuro
atrás da manhã preferida
de um sonho ainda não acabado de resistir
era para subir as paredes do dia
com as mãos aquinhoadas
de horas feitas de luzes e asas
braços da tarde
um sol retardatário
soberano, mas esmaecido, grisalho,
joga-se aos braços da tarde
estica as pernas nas nuvens
cobertas de suor, andaduras e barro
e se põe exausto, sombreado
lá no fundo de meus olhos
calor de chão
um sol retardatário
soberano, mas esmaecido, grisalho,
joga-se aos braços da tarde
estica as pernas nas nuvens
cobertas de suor, andaduras e barro
e se põe exausto, sombreado
lá no fundo de meus olhos
calor de chão
um rio de cavalos
galopa e espalma poeiras d’água
atravessa correntes de sol a pino
borbulhadas por calor de chão
e levanta vôo cego de terra batida
para tirar de pedras, sombras e pedaços de troncos
outro rio coalhado de silêncio
já seco na memória
galopa e espalma poeiras d’água
atravessa correntes de sol a pino
borbulhadas por calor de chão
e levanta vôo cego de terra batida
para tirar de pedras, sombras e pedaços de troncos
outro rio coalhado de silêncio
já seco na memória
Francisco Otaviano de Almeida
Recordações
Oh! se te amei! Toda a manhã da vida
Gastei-a em sonhos que de ti falavam!
Nas estrelas do céu via teu rosto,
Ouvia-te nas brisas que passavam:
Oh! se te amei! Do fundo de minh’alma
Imenso, eterno amor te consagrei...
Era um viver em cisma de futuro!
Mulher! oh! se te amei! Quando um sorriso os lábios te roçava,
Meu Deus! que entusiasmo que sentia!
Láurea coroa de virente rama
Inglório bardo, a fronte me cingia;
À estrela alva, às nuvens do Ocidente,
Em meiga voz teu nome confiei.
Estrela e nuvens bem no seio o guardam;
Mulher! oh! se te amei! Oh! se te amei! As lágrimas vertidas,
Alta noite por ti; atroz tortura
Do desespero d’alma, e além, no tempo,
Uma vida sumir-se na loucura...
Nem aragem, nem sol, nem céu, nem flores,
Nem a sombra das glórias que sonhei...
Tudo desfez-se em sonhos e quimeras...
Mulher! oh! se te amei!
Morrer...Dormir...
Morrer .. dormir .. não mais! Termina a vida
E com ela terminam nossas dores:
Um punhado de terra, algumas flores,
E às vezes uma lágrima fingida!
Sim! minha morte não será sentida;
Não deixo amigos, e nem tive amores!
Ou, se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.
Tudo é podre no mundo. Que me importa
Que ele amanhã se esb'roe e que desabe,
Se a natureza para mim é morta!
É tempo já que o meu exílio acabe,
Vem, pois, ó Morte, ao Nada me transporta!
Morrer... dormir... talvez sonhar... quem sabe?
Ilusões de vida
Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu,
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem - não foi homem,
Só passou pela vida - não viveu.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
Francisco Inácio Peixoto
Sesta
De flanco, encolhida como
um feto retornado ao útero,
as ancas cheias são
entre tronco e coxas
leiras que os olhos rasgam
Presto mas sutil
(não lhe desmancho o sono)
fundo-me, isopétalo, na fôrma
do corpo de ébano.
Inconsúteis nos quedamos e indivisos.
Em breve também emigro
entre sonho e sono
para aquém da vida.
Dois bares giram enlaçados
As amarguras se encontravam,
somos três pensando em ti.
Eu desenho o teu retrato
no pano sujo e rasgadoque cobre a mesa do bar.
Os músicos derrotados
tocam coisas muito tristes.Se a noite não fosse aqui,
talvez fizessem chorar.
A lembrança vai crescendo
com as rodelas do chope,Se derrama pelas mesas,
Sobre as mulheres sem dentes,
Sobre os homens sem amor.
E eles e elas giram,
giram as flores dos cabelos,palavrões e giram os copos
e no Bar 49,
em torno de teu retrato
Gira, gira, gira tudo,
gira em torno do gigante,que me acarinha e sorri.
Gira o bar e gira a Lapa,
gira orquestra, gira a vida,
giragirando por ti.
Em São Paulo, havia noites
e tu ficavas no bar.Luís Saia e os rapazes
conversadinho contigo,
eu ficando a te escutar.
Será triste o Franciscano,
será deserto sem ti.Osvaldo, Iglesias, Fernando,
Nunca mais beber ali.
Oto, Carlos, Pelegrino,
Dantas Motta, RubiãoFigueiró, Paulo e Jair,
Clemente, Ernande, Bueno
Luiz Saia, irmãos pequenos,
Não mais beber ali não
Joelho
Orografia mínima
entre perna e coxa.
Um dedo basta
para sentir-lhe as pequenas dunas
as ligeiras covas
onde o tato se compraz.
Se a mão espalma em concha
a gelatina da carne
um bicho nela oculto freme
titila
explodindo em cio.
Pedreira
Dependurados no espaço
Eles ficam ali o dia inteiro
Arrancando faíscas
Furando buracos na pedreira enorme
que reflete como um espelho
As suas sombras primitivas.
À tarde ouve-se um estrondo
E o eco repete a gargalhada das pedras
Que vieram rolando da montanha.
Os homens de pele tostada
Descem então dos seus esconderijos
E caminham pras suas casas
Vagarosamente decepcionados
Segurando nas mãos cheias de calos
As ferramentas com que procuram
Há uma porção de anos
O segredo que lhes dê
Uma nova revelação da vida...
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Pedro Kilkerry
Sob os Ramos
É no Estio. A alma, aqui, vai-me sonora,
No meu cavalo — sob a loira poeira
Que chove o sol — e vai-me a vida inteira
No meu cavalo, pela estrada afora.
Ai! desta em que te escrevo alta mangueira
Sob a copada verde a gente mora.
E em vindo a noite, acende-se a fogueira
Que se fez cinza de fogueira agora.
Passa-me a vida pelo campo... E a vida
Levo-a cantando, pássaros no seio,
Qual se os levasse a minha mocidade...
Cada ilusão floresce renascida;
Flora, renasces ao primeiro anseio
Do teu amor... nas asas da Saudade!
É o silêncio
É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz n’algum volume sobre a mesa ...
Mas o sangue da luz em cada folha.
Não sei se é mesmo a minha mão que molha
a pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, um passado. E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir das coisas... ComovidoPego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,
Asa que o ouvido anima...
E a câmara muda. E a sala muda, muda...
Afonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda
Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante, como quem sacuda
um pesadelo de papéis acima...
................................................................................E abro a janela. Ainda a lua esfia
últimas notas trêmulas... O dia
Tarde florescerá pela montanha.
E oh! minha amada, o sentimento é cego...
Vês? Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e asas de um morcego.
Floresta Morta
Por que, à luz de um sol de primavera,
Urna floresta morta? Um passarinho
Cruzou, fugindo-a, o seio que lhe dera
Abrigo e pouso e que lhe guarda o ninho.
Urna floresta morta? Um passarinho
Cruzou, fugindo-a, o seio que lhe dera
Abrigo e pouso e que lhe guarda o ninho.
Nem vale, agora, a mesma vida, que era
Como a doçura quente de um carinho,
E onde flores abriram, vai a fera
— Vidrado o olhar — lá vai pelo caminho.
Como a doçura quente de um carinho,
E onde flores abriram, vai a fera
— Vidrado o olhar — lá vai pelo caminho.
Ah! quanto dói o vê-la, aqui, Setembro,
Inda banhada pela mesma vida!
Floresta morta a mesma cousa lembro;
Inda banhada pela mesma vida!
Floresta morta a mesma cousa lembro;
Sob outro céu assim, que pouco importa,
Abrigo à fera, mas, da ave fugida,
Há no meu peito urna floresta morta.
Abrigo à fera, mas, da ave fugida,
Há no meu peito urna floresta morta.
Taça
Aquela taça de metal que, um dia,
À Laura, um dia assim, lhe oferecera,
Entre relevos delicados de hera,
"Saudade" em letras de rubis trazia.
E era um riso de amor e de poesia
Em cada riso ou flor da primavera...
E Laura, a um canto, cruel, por que a esquecera,
Laura que soluçou, porque eu partia?
Anos derivam. De remorsos presa
Não é que vai, acaso, à soledade
Da abandonada... Vai por fantasia.
Mas, como um choro, vê, vê com surpresa,
Desmancharem-se as letras da "Saudade"
Que aquela taça de metal trazia.
Aquela taça de metal que, um dia,
À Laura, um dia assim, lhe oferecera,
Entre relevos delicados de hera,
"Saudade" em letras de rubis trazia.
E era um riso de amor e de poesia
Em cada riso ou flor da primavera...
E Laura, a um canto, cruel, por que a esquecera,
Laura que soluçou, porque eu partia?
Anos derivam. De remorsos presa
Não é que vai, acaso, à soledade
Da abandonada... Vai por fantasia.
Mas, como um choro, vê, vê com surpresa,
Desmancharem-se as letras da "Saudade"
Que aquela taça de metal trazia.
Berg A. Mota
meia lua em lua e meia
um com um faz onze
onze com onze
um jogo de futebol
a lua se expõe e atiça
mas não pega um bronze
roda e foge da liça
não chega e se dá ao sol
agora ou agora
sim, não é por nada não
é por muito ou por pouco
não, não diga nada não
ou ponho ou acabo louco
pequenas mortes
um beijo achado morto
estendido em minha boca
abatido sem chance de defesa
pelo gelo seco espumado de seus lábios
ponto de vista à vista do ponto
o gato leva em si o segredo do silêncio
o cachorro nunca deixa por menos
conta e mostra a todos o latifúndio
late fundo, forte e tênsil
a centopeia não está nem aí
ponto final
pelo não, pelo sim
deu tudo errado
não me venhas assim
nem assado
vá, viva sem mim
fundo falso furado
Giovani Baffô
Amor
só
com
fusão
I.
Em casa de menino de rua,
o último a dormir apaga a lua
Decoração
Amor porque você não muda
a sua cama de lugar
a sua cama de lugar
Pavoneando
De mim,
não tenham pena
Oriente-se
Usar burca é cultura
ou
Hábito.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
Bruno Tolentino
Não sou o que te quer. Sou o que desce
a ti, veia por veia, e se derrama
à cata de si mesmo e do que é chama
e em cinza se reúne e se arrefece.
Anoitece contigo. E me anoitece
o lume do que é findo e me reclama.
Abro as mãos no obscuro. Toco a trama
que lacuna a lacuna amor se tece.
Repousa em ti o espanto que em mim dói,
norturno. E te revolvo. E estás pousada,
pomba de pura sombra que me rói.
E mordo teu silêncio corrosivo,
chupo o que flui, amor, sei que estou vivo
e sou teu salto em mim, suspenso em nada.
O espírito da letra
Ao pé da letra agora, em minha vida
há a morte e uma mulher... E a letra dela,
a primeira, me busca e me martela
ouvido adentro a mesma despedida
outra vez e outra vez, sempre espremida
entre as vogais do amor... Mas como vê-la
sem exumar uma vez mais a estrela
que há anos-luz se esbate sem saída,
sem prazo de morrer na luz que treme?!
O mostro que eu matei deixou-me a marca
suas pernas abertas ante a Parca
aparecem-me em tudo: é a letra M
a da Medusa que eu amei, a barca
sem amarras, sem remos e sem leme...
I.
Porque o amor não entende
que tudo quer passar,
nunca, nunca consente,
a nada o seu lugar.
Planta presa, de alpendre,
sacudindo no ar
braços impenitentes,
tenazes, em lugar
de aceitar que não prende
nada, o amor quer dar
apaixonadamente
laços à luz solar
e é noite de repente.
II.
Se ainda te iluminar
com um olhar novamente,
sei que não vais estar
tão perto; a alma entende,
o corpo quer gritar!
Porque o olhar apreende
mais do que alcança dar,
à distância, na mente,
de que vale um olhar
com a noite pela frente?
Essa noite que tende
a unir e separar
inapelavelmente...
Lu Menezes
À beira da piscina vazia
posicionadas de certo modo
três cadeiras brancas vazias
de certo modo se entreouvem
se entrefalam e entressilenciam.
Tsunami e vizinhança
Então , a mulher e a criança
seguiram uma serpente que nadou para terra firme
e conseguiram se salvar.
― A mulher
era só certa vizinha a quem, antes de morrer, a mãe
confiara a criança.
A serpente
terá sido, de repente, uma espécie de vizinha também.
― Vizinha de outra espécie.
Cola com anticolas
O make me an angle!
você aos céus implora
na cola de Dylan Thomas rogando
O make me a mask!
e na branca anticola
daquela artista paulista escovando
os dentes até não mais se ver
um pingo de rosto atrás
da máscara de pasta...
e na negra,
da cineasta belga engraxando
as botas e depois
as pernas e depois
incinerando a habitação
– Do Cosmo ao subsolo
na anticola vermelha de Cildo,
O make me an angle!
– insistes
na frente do espelho
passando o batom sem ultrapassar
limites... sem se desviar... respeitando
o contorno labial, o entorno social;
exorcizando
todo extra-artístico risco de escândalo
que algum milimétrico
impulso inoportuno possa criar
Distâncias incomensuráveis II
Grã-estrelas quebradiças
esfarelam-se na noite armazenária de um céu
com dobradiças
Muito e pouco
distam das estrelas
e da lua terra-a-terra de strass
que sobre a mesa de um camelô o sol mela
“A BBC sonhava com tudo o que eu – mas eu
só comigo sonhava!” gritou o Souza pelo oniaudiente
megafone estrelado instalado em sua mente
Pela TV se vê
que para atrair os índios, um espelho
foi deixado brilhando no matagal
Mas quem afasta
verdes feixes de elétrons
e penetra no vibrante capinzal distante
– sou eu –
índio trânsfuga que acha
a trânsfuga estrela no chão
Pio Vargas
Despertáculo
Estou pronto
para a guerra que encontro
quando acordo:
botei vigia nos sentidos
e iludi com comprimidos
outros seres a meu bordo.
Abandonei o vício
de estar sempre
a soletrar ruínas,
dei liberdade a meus detentos
minha pressa diluiu nos passos lentos
e rasguei
meu calendário de rotinas.
Inverti a ordem.
Já não saio por aí
a devorar compromissos,
tomei posse no governo de mim mesmo
e derrotei os meus omissos.
Venci a batalhas
de ter que estar sempre por perto,
às vezes voo para dentro
do meu sonho a céu aberto.
Estou pronto:
eu já concordo
com a guerra que encontro
quando acordo.
Os sons do ofício
É porque recolho o vário
no aviário das vértebras
e me há um silo de células
e me há um quase-aquário,
que o poema se me chega,
estuário.
Que me importa
a sina jugular das fases,
a vida conjugal das frases
e o semblante cínico
das fezes,
se não faço poemas
como quem defende teses.
Faço poemas
para que passem os dias
e pascem os rebanhos
e os oceanos pasmem
ante o naufrágio
de todas as datas
no calendário-lanho.
Ou seja, faço-os
como quem viceja
os laços do arremesso
como quem vislumbra
silêncio nos entulhos
e aprendeu a estrutura ideal
para montar barulhos
sob a língua mais banal.
Faço-os
como quem lambe oásis no planalto,
deixado pelas bases
de um simples sobressalto.
É como se o ego
coubesse inteiro
na determinação de um prego
que me fixa exílios sob a carne
mas que também aciona
os gatilhos do alarme.
Poema
999 (ou: concepção
tumular pra que ninguém alegue ignorância):
Quando eu morrer
escrevam no meu túmulo:
aqui dorme pio
que era poeta nas horas vagas.
O que distanciou de tudo
pra continuar mudo
com suas amarras
Aqui dorme alguém
que era de todos
e pertenceu a ninguém
que imaginava muito
mas só tinha um corpo
que casualmente se tem
que fazia poemas
só para esquecer os dilemas
do que era um e quis ser cem.
Pensando bem
escrevam mais:
aqui dorme pio
o que em sendo um
foi quase mil.
Velho
acho que valho
a idade dos espelhos
o tempero dos sais
a metafísica do cais
e mais
um aviário de naus
que pediu concordatas
e passou pelas datas
usuário do caos.
José Carlos Peliano
a poesia de Cora Coralina
a poesia de Cora
nunca descora
não evapora
nem vai embora
viveu e deu a ela
por asa forte e singela
o ardor de sua lida
suave, densa, querida
na cor de sua vida
não com anilina
mas com sua Coralina
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Marcos Caiado
1.
não há que ser
diferente:
o melhor poema
continua
na gente.
2.
sim, eu te amo
pela delicadeza que me negaste
e pelos belos olhos azuis
que não tens.
amo-te porque nada mudaste em minha vida
quando podias
(e eu pedia).
sim, eu te amo
porque me relegaste
à condição de traste
nesse achados & perdidos
da rua dos mascates número zero
à espera de um encontro:
ponto.
te amo
porque jamais compreendeste
o que é amar
por nunca teres me reparado de fato
(ou acordado algum afeto);
por fugires no terceiro ato
levando contigo a cantiga
e o teatro.
amo-te
com a volúpia da letra erre
que sonha tomar o lugar do hífen
e revelar o teu legado
no próximo verso:
amo-te!
dá meia-volta
e volta.
volta ao início
3.
quando você desaparece,
até o travesseiro
vira precipício.
4. Babau
você me deixou com a cabeça moída
e com a vida miúda.
a dor nao passa
a página não muda:
um resto de mim
sem prumo e sem colo
assassinando sóis
no underground.
matando os faróis
de cada sinal.
você me deixou porteira fechada.
no frio da madrugada
passando mal.
você me deixou... agora babau.
eu estou na u.t.i
com o coração a prêmio
e cada vez q vc vem me visitar, baby,
é pra desligar o balão de oxigênio.
eu estou na u.t.i
e cada vez que você vem
é pra aplicar
uma dose a mais de veneno.
Maria Ângela Alvim
1.
Estar ser auxílio. Pensa
só estar sem movimento
de amor, de medo, querença.
E ficar, deixando o espaço
de lembrança, alheamento
de mim, entre idéia e passo.
E durar, quase num sonho
de si mesmo descoberto
conter-me no meu tamanho
de ser tudo e ser deserto.
Permanecer - e me oponho
no tempo, domínio incerto.
Espero? Não. Ah!, que estranho
estar sonhando tão perto.
2.
Os finos dedos do vento
contaram os meus cabelos.
Meu corpo é o violino
nos leves dedos do vento.
3.
Há uma rosa caída
Morta
Há uma rosa caída
Bela
Há uma rosa caída
Rosa
4. Vitória de Samotrácia
Não aqui, - além existes. Teu vôo
demais amplo na extensão dos olhos
se tão curto olhar,
em tempo de pausa acompanhamos.
Mito
anjo
graça
alma de dança
teu corpo era paixão na pedra.
... Param os passos,
espraia-se o mar
onde arrebatas as vestes do vento,
ó vortigem de ser e de estar!
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Sebastião Uchoa Leite
Duas camas
O ar cotidiano noturno
Envolve-me em fios
Sonho com os subúrbios de Manhattan
Estremunhado e úmido
Desço os degraus às 7
Vou para o sofá baixo
Janelas para o sol matinal
"Ilumino-me de imenso"
Sem o anti-sol
Da alto cama isolada
Insônia Respiratória
Antes nunca
Ouvira o invisível poema
Do respirar: não
Ouvira nada
Só o silêncio dos órgãos
Mas o segredo da vida
Era isso
Quando ninguém
Se lembra do corpo
Que de fato
É feito da mesma matéria
Do sono
Vigília sonora
Aplicou-me um indutor
Na veia
Embora eu pedisse água
Veia crê em soníferos?
Insônia eletrônica
A noite toda
Uma insônia bípica
"Ao menos não me assassinaram"
Cintilei às cinco
No êxtase lúcido da vigília
Certa luz
Ela inclinou-se junto a mim
— Todo em fios —
E disse: "O que o salvou
Foi uma luz
Dentro de você".
Touché! Sorri pedido
"Desconfio dessa luz"
Com a língua bífida
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
José Carlos Peliano
Adeus a Oscar Niemeyer
A arquitetura em Oscar
virou arquitextura
onde a luz se deitava
a sombra se acostumava
a vida se admirava
virou arquitextura
onde a luz se deitava
a sombra se acostumava
a vida se admirava
Oscar livrou os traços
das curvas e da arte
das retas aprisionadas
no concreto e na falta de graça
Epitáfio
Pouca a arquitetura
que não chega à arquitextura
das obras de Oscar
que só ele, os pássaros,
as nuvens, as ondas e os ventos
sabiam se aventurar.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
Raul Zurita
Las playas de Chile II
Miren las playas de Chile
Hasta el polvo se ilumina
en esos parajes de fiesta
i. Las playas de Chile son una fiesta en sus ojos
ii. Por eso hasta el polvo que los cubría se hacía luz
... en sus miradas benditos lavándose las mortajas
iii. Por eso la patria resplandecía levantándose desde el
... polvo como una irradiada en las playas de sus ojos
... relucientes para que hasta los sepultos puedan ver
... la costa en que se festejaron cantando esos dichosos
Las utopias
i. Todo el desierto pudo ser Notre-Dame pero fue el
... desierto de Chile
ii. Todas las playas pudieron ser Chartres pero sólo
... fueron las playas de Chile
iii. Chile entero pudo ser Nuestra Señora de Santiago
... pero áridos estos paisajes no fueron sino los
... evanescentes paisajes chilenos
Donde los habitantes de Chile pudieron no ser los habitantes de
Chile sino un Ruego que les fuera ascendiendo hasta copar el
cielo que miraron... dulces... ruborosos... transparentándose como
si nadie los hubiera fijado en sus miradas
iv. Porque el cielo pudo no ser el cielo sino ellos
... mismos... celestes... cubriendo como si nada los áridos
... paisajes que veían
v. Esos habrían sido así los dulces habitantes de Chile
... silenciosos ... agachados... poblándose a sí mismos sobre
... las capillas de su Ruego
vi. Ellos mismos podrían haber sido entonces las pobladas
... capillas de Chile
Donde Chile no pudo no ser el paisaje de Chile pero sí el cielo azul
que miraron y los paisajes habrían sido entonces un Ruego sin fin
que se les escapa de los labios ... largo ... como un soplo... de toda
la patria haciendo un amor que les poblara las alturas
vii. Chile será entonces un amor poblándonos las alturas
viii. Hasta los ciegos verán allí el jubiloso ascender de
... su Ruego
ix. Silenciosos... todos veremos entonces el firmamento
... entero levantarse... límpido... iluminado... como una
... playa tendiéndonos el amor constelado de la patria
Y volvimos a ver las estrellas
Acurrucados unos junto a otros contra el fondo del bote
de pronto me pareció que la tempestad, la noche y yo éramos sólo uno
y que sobreviviríamos
porque es el Universo entero el que sobrevive
Sólo fue un instante, porque luego la tormenta nuevamente
estalló en mi cabeza y el miedo creció
hasta que del otro mundo me esfumaron el alma
Sólo fue un raro instante, pero aunque se me fuese la vida
¡Yo nunca me olvidaría de él!
La marcha de las cordilleras
i. Y allí comenzaron a moverse las montañas
ii. Estremecidas y blancas ... ah sí blancas son las heladas
... cumbres de los Andes
iii. Desligándose unas de otras igual que heridas que se
... fueran abriendo ... poco a poco... hasta que ni la nieve
... las curara
iv. Y entonces... erguidas... como si un pensamiento las
... moviese ... desde los mismos nevados ... desde las mismas
... piedras... desde los mismos vacíos... comenzaron su
... marcha sin ley las impresionantes cordilleras de Chile
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