Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Sebastião Uchoa Leite


Duas camas

O ar cotidiano noturno
Envolve-me em fios
Sonho com os subúrbios de Manhattan
Estremunhado e úmido
Desço os degraus às 7
Vou para o sofá baixo
Janelas para o sol matinal
"Ilumino-me de imenso"
Sem o anti-sol
Da alto cama isolada

Insônia Respiratória


Antes nunca
Ouvira o invisível poema
Do respirar: não
Ouvira nada
Só o silêncio dos órgãos
Mas o segredo da vida
Era isso
Quando ninguém
Se lembra do corpo
Que de fato
É feito da mesma matéria
Do sono


Vigília sonora

Aplicou-me um indutor
Na veia
Embora eu pedisse água
Veia crê em soníferos?
Insônia eletrônica
A noite toda
Uma insônia bípica
"Ao menos não me assassinaram"
Cintilei às cinco
No êxtase lúcido da vigília


Certa luz

Ela inclinou-se junto a mim
— Todo em fios —
E disse: "O que o salvou
Foi uma luz
Dentro de você".
Touché! Sorri pedido
"Desconfio dessa luz"
Com a língua bífida


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