Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

domingo, 14 de abril de 2013

Angélica Freitas



reinvenção do front

sabe bala zunindo
e soldado lendo
carta de amor
na trincheira
zzzzzzpiiiiiiiiiiiiiiiuuuu?

sou eu,

love-lorn soft-porn

tenho sempre
para a Musa
um poema na traqueia
uma prosa
sob a blusa

musiké

tenho pavor de festinhas
aparo as arestas da farsa
visto minha roupa nova

mas hoje não saio de casa

*
emoção sem opção
viajar no avião
da manteiga aviação

minas gerais

a pia pinga
até a medula a pia pinga

galo canta a pia pinga
noite e dia pinga pinga

você cresceu você casou
houve um golpe militar

a pia pinga e o menino
da esquina virou padre

a pia pinga

a pia pinga toda
a caixa d'água

terça-feira, 2 de abril de 2013

Eudoro Augusto

 

Despertar

O telefone é um susto.
Do outro lado da linha
Alguém articula um bom-dia
rouco de pedra.
Engano
Eu não moro mais aqui

Disciplina

Justamente porque a história da minha vida
mais parece um quarto desarrumado
não quero morrer no meio desta desordem.
E assim antes de se matar
Lídia Helena sacode o tapete
estica os lençóis e o edredon
guarda no armário as roupas íntimas
espalhadas sobre o sofá.
O gato assiste a tudo lambendo as patas
em movimentos lentos e regulares.

Ana C

Outra vez nos braços do amor perdido.
Sempre o declive. Sempre a vertigem.
Ás vezes o abismo.
Posso inflar
as velas de outra imagem
e assim navegar teus canais azulados,
minha lúcida amiga.
No céu-da-boca desta manhã
fica apenas um risco:
relâmpago longo como o olhar.
Luz. Outra luz. Louca luz.
O mesmo anjo que beija tua orelha fina
invade o cinema como um vento fictício

Abril

Não tenho mais olhos
pra enfrentar a claridade de abril.
Não tenho mais ouvidos
pra escutar você me dizer
que o amor não tem direito a sinceras desculpas
ou que o ódio não precisa de texto.
Não tenho mais saco
pra passar a vida pensando o inexplicável
ou tentando afastar um sentimento~
lento demais para ser verdadeiro.
e rabisca cicatrizes bem legíveis
no coração deserto do meio-dia.

Cecília Bossi




Vento verde

Enxerguei o vento
Estranho corpo bramindo
Mãos verdes dedos velozes.
(estranhos às minhas dezenas digitais).

Enxerguei-o violento pinheiral
Sacudindo as ondas revoltas do mar
Do mar que não me quis amar.

E enxerguei a minha própria sombra
ventada pelo ar.
 
À procura de poesia
 

Se vieres ao meu encontro
Procura minha presença
como um pássaro o seu ninho
somos o que a hora é pro relógio
pontuais como o tempo
e o nosso estilo aponta a faca para o arco.
-
Se me encontrares a minha essência esvaída
e a porta fechada
não desistas
há um animal pulsando nas veias abertas do meu pulso
o mar revolto e aberto
um navio atracado no cais procurando o porto
-
e a minha alma ancorada
procurando a tua libertação.
 
Flores
 
As flores que foram brotos, mudas semente
saíram da moda
as flores que eu queria
mudaram de praça
ninguém as olha ninguém as quer.

---

Saudades dos bons tempos que eram maus
de esperas tão inúteis colossais
e era sempre a desordem no meu caos
sem mais ver tuas roupas nos varais

Saudades sem retornos nos degraus
tão distantes das horas temporais
me atritando nas pedras, nos calhaus
me quebrando nas rochas de corais

Por ter saudades vivo em solidão
sem oásis, nas dunas do deserto
Não vejo minha própria escuridão,
mais cega do que a noite em vão te sigo
e não te vejo, nem de longe ou perto
eternamente imóvel em teu jazigo

Alex Polari de Alverga


Idílica estudantil

Nossa geração teve pouco tempo
começou pelo fim
mas foi bela a nossa procura
ah! moça, como foi bela a nossa procura
mesmo com tanta ilusão perdida
quebrada,
mesmo com tanto caco de sonho
onde até hoje
agente se corta.

Dia da Partida

Aí eu virei para mamãe
naquele fatídico outubro de 1969
e com dezenove anos na cara
uma mala e um 38 no sovaco,
disse: Velha,
a barra pesou, saiba que te gosto
mas que estás por fora
da situação. Não estou mais nessa
de passeata, grupo de estudo e panfletinho
tou assaltando banco, sacumé?
Esses trecos da pesada
que sai nos jornais todos os dias.
Caiu um cara e a polícia pode bater aí
qualquer hora, até qualquer dia,
dê um beijo no velho
diz pra ele que pode ficar tranqüilo
eu me cuido
e cuide bem da Rosa.
Depois houve os desmaios
as lamentações de praxe
a fiz cheirar amoníaco
com o olho grudado no relógio
dei a última mijada
e saí pelo calçadão do Leme afora
com uma zoeira desgraçada na cabeça
e a alma cheia de predisposições heróicas.
Tava entardecendo.

Indagações

Quando me interessei pelo mundo
e procurei o sentido da vida
a ética dependia da pontaria
a certeza era fácil
estava mais nas entranhas
e no coração
do que nos livros.
Hoje a coerência dos sistemas
me parece ridícula
e se nos livramos
de uma certa pressa
entendendo melhor
a vida e a teoria,
isso não significa que o problema da opção mudou.

Zoológico Humano

o que somos
é algo distante
do que fomos
ou pensamos ser.
Veja o mundo:
ele se move
sem nossa interferência
veja a vida:
ela prossegue
sem nossa licença
veja sua amiga:
ela se comove
por outros corpos
que não o seu.
Somos simplesmente
o que é mais fácil ser:
lembrança
sentimento fóssil
referência ética
apenas um belo ornamento
para a consciência dos outros.
A quem interessar possa:
Estamos abertos à visitação pública
sábados e domingos
das 8 às 17 horas.
Favor não jogar amendoim.