Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014





o adeus de Manoel de Barros

                                                 José Carlos Peliano

o mano El de barros se vestiu
depois de 97 roupas de lagartixas
sabiás, aranhas, pedras e lampiões
foi espreguiçar no mato onde brota vaga-lumes
entre gerânios, minhocas e chuviscos
cantarolar os ventos safados de levantar as saias das moças
cochichar borboletas no ouvido das tardes
seguir os tombos dos cometas desapetrechados
que ele sabia segurar em arapucas e transformar em versos
que deixaram uma saudade danada de grande
neste mundão esvaziado de suas mais belas traquinagens

terça-feira, 11 de novembro de 2014



Passado a limpo


                                                         José Carlos Peliano

o rio leva o mar e o mar o rio
a voz persegue o eco e ele a voz
o fio traz a luz e a luz o fio
vive o passado em nós e nele nós

vem no vento e na pele o arrepio
carrega a linha com o pano o cós
folhas do outono já caiem com frio
o passado é o tempo e sua foz

em mim vou eu e todos os meus dias
ao pensar deixei de estar como e quando
à frente coisas idas, fugidias

agora é o passado observando
do cerco escapam só as fantasias

com a eternidade em contrabando