Outros papos
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Adriana Zapparoli
zênite
furor uterino
numa eletrificação rubra
abismo acolchoado
de trama zibelina
exposta
segredo
um ponto
zênite
num momento
roer
a unha telúrica
do tempo
saltar
para dentro
da vulva
no movimento
da válvula tricúspide
tugúrio
o tule abafa
o trilo da úvula
no dedo o gosto da uva úmida
adultério
aerobionte
dialética morfologia
estranha monogamia
rubro cântico
figurativo descanso
uma estrutura rubra
um olho-de-gato
equivocado
refletindo luz
intuitiva a poesia
num escuro
duma estrada
mal sinalizada
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Nei Duclós
Chave
Do planeta gelo tens a chave
onde me confinas, alma rude
do carinho que dou és ataúde
devolves paralelas e quadrados
Se fosse apenas a secura
de um coração que não reage
mas é corrente sem futuro
pacto de solidão para viagem
Deveria escapar dessa armadilha
que acaba de vez com minha saúde
mas fico na esperança da aspirina
O mais duro é que te comprazes
em dizer não quando digo abre
Perdes a chance de ser só doçura
Sombra
Sinto medo do amor, jogo de luzes
que leva teus bens, arca de breu
flores confusas em vaso de nuvem
presentes inúteis, roupas sem uso
Pura solidão, coração que tortura
Perda que nunca refaz o caminho
Muda sua vida ou joga no fundo?
Ramo de espinho em som submisso
Tremo de dor quando te aproximas
pois sei que esse abraço acha seu fim
no rastro que deixo na dobra do corpo
Eu erro por vício, sem haver sintonia
entre tua glória e o meu desconforto
na sombra do lado onde vivo sozinho
Pólvora
Não tenho piedade, coração solitário
meu trato contigo não inclui recato
faço o serviço, jogamos no mato
de comum acordo, couro de gata
Preferes assim, flor confiscada
evitas a dor, tentadora do hábito
em vez do rodízio, rotina de valsa
enlaças o tango, rasgo de aposta
Propões desacato e eu me convenço
só que no fundo conheço tua lábia
é pura armadilha em cima do escravo
És dona do mundo e nada te importa
sabes que sou o mel que devotas
dentro de ti, inventora da pólvora
Corrente
Vai embora já que não se segura
prefere distância ao som da corrente
me quer muito mas não me procura
como entender o apronto da fuga?
Quer evitar o assombro do grude
provocado pela grossa doçura
aos sair do sério em tarde impura
Sumiu, pois você bem se conhece
Me exclui como se eu fosse bicho
mantém fechada a jaula da impostura
onde me cerco de ansiedade e lixo
Rosno na grade sem alimentar o vício
pelo vestido longo que rasguei um dia
Me dá gastura pois fui só o exercício
terça-feira, 23 de outubro de 2012
Helena Kolody
Saudade
Há vinte anos não ponho nos teus olhos,
numa carícia azul, o meu olhar.
Nunca mais tuas mãos fortes e esguias,
aquecerão as minhas.
A saudade, esta aranha tecedeira,
arma, de novo, o nhanduti do sonho
com o mesmo fio de outrora.
E a alma se enreda na trama sutil,
como se fosse agora.
Para a appassionata
Vivo como se dormisse
A sonhar contigo
Para sempre.
O mundo é um rumor longínquo
De mar em ressaca
A quebrar-se nas amuradas
Do meu castelo sem pontes.
Luz do amor eterno
Raio de luz a transpassar-me,
É Deus que te ama em meu amor.
E te ama dum amor tão alto e tão profundo
Que não quis encerrá-lo
Na argila perecível deste mundo.
Plasmou-me em carne, apenas
Para formar o coração.
E foi preciso transformar em asas
Os braços carinhosos.
Mas no tempo imarcescível
Da ressurreição,
Nossas almas,
Duas centelhas puras, palpitarão unidas
No mesmo Eterno Amor.
(sem nome)
Quando leio teu nome
bóiam as letras
nas minhas lágrimas.
Mendiga,
busco o vestígio de teu olhar
nos olhos que te fitaram.
Quando leio teu nome
as letras cintilam, tremem:
estrelas boiando em lágrimas.
sábado, 13 de outubro de 2012
Virna Teixeira
Calçada
pequeno, 0
frágil
corpo
soluça
vermelha,
a flor
entre os
dedos
Portrait
os olhos dele
uma gaiola
onde um
pássaro
às vezes,
canta
Distância
um telefonema de
três minutos
depois,
o silêncio
do outro lado
da linha
Lisboa
os pés
caminham,
molhados
entre óculos
analíticos e
gabardinas
pela ladeira
a chuva
escoa
saudade
mágoas
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
Maria Lúcia Dal Farra
Alcachofra
Não é em altura que seu arbusto
se ombreia com o pinheiro:é pela fruta.
Íntima amiga da geometria,
do pinho tão só se distancia
pela recusa à agreste armadura.
Nenhum lampejo de indiferença
machuca-lhe a vestimenta:
antes a luz emprega no fabrico da alma
tenra (que lateja),
parente do alegre bem-me-quer,
do espelhante girassol.
Pertença da floricultura e da
boa
mesa, ornamenta o paladarcom a lembrança das nascentes:
não são de lâmina as escamas,
mas (degustáveis) dádivas mediterrâneas
dispostas no coração em tranca
Apenas pequenas setas mantém
(em íntima contenda)a provocar torneios entre língua e dentes.
– Cota de
cavaleiro andante,
em que terna demanda atuas?Silêncio de bronze
sobre as teias de aranha das pupilas.
Nada palpita no rosto tátil _
nem mesmo um poro.
Deslizo pela superfície imberbe
a gana de eriçá-la:
mas (munida apenas da arremetida suicida do touro)
sua mudez desarma o esforço.
Urna cerrada como o sol,
fui, foste, fomos,
e tudo ficou retido na divisa
(no escudo)
na nitidez desse rosto acuado
- dessa carranca com que hoje enfrento os mares.
Arte
ao Francisco José
Não distingo o que queres
e nem triunfo sobre
o enigma que nos atrai
(assim dessemelhantes).
Mas se adivinho o que há dentro do teu cenho
e se (acaso)
empreendo o que (querendo) não fazes por
consumar -
ganho (em troca)
a solidão patética de quem erra
por acertar.
O amor é isso:
cisco que tolda a vista
tão só pra se enxergar.
Cada palavra
(aqui)
se obstina em silêncio.
Contigo devoro os frutos da noite:
lua caiada em agonia
alguma chuva esparsa do lado boreal
poeira de estrelas profanando
o negro.
Só nossos dentes
brilham
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