Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Pedro Kilkerry


Sob os Ramos

É no Estio. A alma, aqui, vai-me sonora,
No meu cavalo — sob a loira poeira
Que chove o sol — e vai-me a vida inteira
No meu cavalo, pela estrada afora.

Ai! desta em que te escrevo alta mangueira
Sob a copada verde a gente mora.
E em vindo a noite, acende-se a fogueira
Que se fez cinza de fogueira agora.

Passa-me a vida pelo campo... E a vida
Levo-a cantando, pássaros no seio,
Qual se os levasse a minha mocidade...

Cada ilusão floresce renascida;
Flora, renasces ao primeiro anseio
Do teu amor... nas asas da Saudade!


É o silêncio

É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz n’algum volume sobre a mesa ...
Mas o sangue da luz em cada folha.

Não sei se é mesmo a minha mão que molha
a pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, um passado. E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir das coisas... Comovido
Pego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,
Asa que o ouvido anima...
E a câmara muda. E a sala muda, muda...
Afonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda
Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante, como quem sacuda
um pesadelo de papéis acima...

................................................................................E abro a janela. Ainda a lua esfia
últimas notas trêmulas... O dia
Tarde florescerá pela montanha.

E oh! minha amada, o sentimento é cego...
Vês? Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e asas de um morcego.



Floresta Morta

Por que, à luz de um sol de primavera,
Urna floresta morta? Um passarinho
Cruzou, fugindo-a, o seio que lhe dera
Abrigo e pouso e que lhe guarda o ninho.

Nem vale, agora, a mesma vida, que era
Como a doçura quente de um carinho,
E onde flores abriram, vai a fera
— Vidrado o olhar — lá vai pelo caminho.

Ah! quanto dói o vê-la, aqui, Setembro,
Inda banhada pela mesma vida!
Floresta morta a mesma cousa lembro;

Sob outro céu assim, que pouco importa,
Abrigo à fera, mas, da ave fugida,
Há no meu peito urna floresta morta.

Taça

Aquela taça de metal que, um dia,
À Laura, um dia assim, lhe oferecera,
Entre relevos delicados de hera,
"Saudade" em letras de rubis trazia.

E era um riso de amor e de poesia
Em cada riso ou flor da primavera...
E Laura, a um canto, cruel, por que a esquecera,
Laura que soluçou, porque eu partia?

Anos derivam. De remorsos presa
Não é que vai, acaso, à soledade
Da abandonada... Vai por fantasia.

Mas, como um choro, vê, vê com surpresa,
Desmancharem-se as letras da "Saudade"
Que aquela taça de metal trazia.

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