Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

sexta-feira, 2 de março de 2012

João Carlos Taveira

Poema da maturidade
(No cinquentenário da Capital)

Brasília abre as asas

sob o céu,
na imensidão do espaço
sobre nós.

Brasília tece uma canção
de amor,
na gradação do azul
de nossa voz.

Há nessa geometria
de acalantos
pequenos sons e arpejos
simultâneos...

Há vida após a vida
em cada traço,
no refazer do sonho
que sonhamos.


Elegia para o poeta Antônio Albino

A cidade perdeu um habitante,
os pássaros perderam um irmão,
eu perdi um amigo.

Em versos cheios de desejo
e volúpia, Albino cantava o amor
com a alma de menino.

(Os homens são mesmo pouco metafísicos.
Ainda recordo sua têmpera
na estóica luta contra o tempo.)

Mas quem virá nos dizer da saudade
que hoje inaugura sua face de âmbar
no dorso desta ausência?

Livre, o poeta viaja e sonha


Soneto de aspiração

Quero prender-te, amada, no meu verso,
que teço no silêncio e na neblina,
onde sejas, do centro do universo,
a métrica resvés e cristalina.


Mas antes, neste sonho, me alicerço
no ritmo desenhado na retina,
para que possas, feita bailarina,
tecer no meu olhar um riso terso.

Quero prender-me a ti e, nesse laço,
poder gravar em nós, em tom fugace,
a música e a palavra num só traço.

Depois, rompendo a teia do disfarce,
que existe entre teu corpo e meu abraço,
hei de tecer na luz a tua face.

Profissão de fé
Amar o metro e a música
na construção do verso,
e a música do verso
na palavra incendida.

Buscar e amar o som
dos hiatos e, ao fim,
dar contenção ao ritmo
com que constróis o verso.

O poema —esse abismo
sem face— há de surgir
na forma clara e exata
das impressões concretas.

Mas amar sobretudo
a precisão do verbo:
pedra fundamental
de tua criação.

2 comentários:

  1. Beleza de trabalho sendo realizado por aqui José Carlos! Grandes e bons nomes da literatura nativa e estrangeira.

    Saudações!

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  2. Meu caro poeta Peliano,

    Hoje, meio desiludido com a política cultural da cidade, recorri ao seu blog, para tomar contato com ares puros e benfazejos. E acabei dando de cara com uma seleção de poemas meus, que você tão gentilmente publicou. Ainda bem que existem pessoas como você que transitam num universo de solidariedade, longe dos rame-rames do egoísmo e da desconsideração! Parabéns, meu poeta! Bom domingo, boa leitura e, principalmente, boa fatura poética — que a sua lavra há de realizar. Fraternalmente, Taveira

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