Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Lélia Coelho Frota

Uma dor

O vento soprava árvores da esquerda
Ao fundo, o menino tocava o violão preso no ombro,
como um pequeno navio adernado.
Uma dor
no mundo
rachava tudo fino e longe,
cinema mudo.


Princípio


A morta abriu o dia radioso
com a cortina da sua despedida.
Partiu no meio os cabelos vagarosos
escorrendo ainda de lembranças,
vestiu o vestido precioso
e saiu à procura, sôfrega,
de outras tantas, verdadeiras vidas.

Litoral (poemas portugueses)

Estávamos um diante do outro
como um só espelho de ouro.
Entre nós corria o rio rubro
e era tempo de despedida.
Portugal, Espanha ou as cícladas,
é tempo, mas de frutas cítricas
para ter nas mãos a colhida,
ácida, consentida, súplice vida.

Recém-casado

É pelos corpos que nos perdemos
de nós mesmos, para nos ganharmos.
É pelos beijos que nos despedimos
para nos encontrarmos pelos olhos.
É pela pele que escaldamos
o que em nós havia de secreto:
e é o nosso corpo entregue um corpo
estranho
pois pertence só a quem amamos
por quem morosamente devassamos
o alheamento da carne -
o barqueiro, o pastor que a atravessa
num profundo arremesso vagaroso
levantando ondas, ondas, ondas e
ervas
a subir e descer vagas e montes
levando-me com ele à raia clara
onde água a quebrar-se eu me
constele
na sua barca, conduzida à praia.

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