Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Ismael Nery

Poema

As gargalhadas
Os prantos
Os gritos de admiração e de pavor
Os gemidos de gozo e de sofrimento
O múrmurio do mar
O troar dos canhões
E todos os barulhos do universo
— Tudo isto penetra no meu ouvido
Como no ouvido
De uma estátua de pedra de olhos fechados,
Imóvel,
Que presidisse a vida,
Que registrasse o tempo
E que pensasse
— O dia em que visses essa estátua olhando
Poderias afirmar — não existe Deus. —
E terias então o direito de julgar.

Confissão

Não quero ser Deus por orgulho.
Eu tenho esta grande diferença de Satã.
Quero ser Deus por necessidade, por vocação.
Não me conformo nem com o espaço nem com o tempo,
Nem com o limite de coisa alguma.
Tenho fome e sede de tudo,
Implacável
Crescente.
Talvez seja esta a minha diferença de Deus
Que tem fome e sede de mim,
Implacável,
Crescente,
Eterna
— De mim que me desprezo e me acredito um nada.

Poema para Ela

Acabaram-se os tempos.
Morreram as árvores e os homens,
Destruíram-se as casas,
Submergiram-se as montanhas.
Depois o mar desapareceu.
O mundo transformou-se numa enorme planície
Onde só existe areia e uma tristeza infinita.
Um anjo sobrevoa os destroços da terra,
Olhando a cólera de um Deus ofendido.
E encontrou nossos dois corpos fortemente enlaçados
Que a raiva do Senhor não quis destruir
Para a eterna lembrança do maior amor.

Eu

Eu sou a tangência de duas formas opostas e justapostas
Eu sou o que não existe entre o que existe.
Eu sou tudo sem ser coisa alguma.
Eu sou o amor entre os esposos,
Eu sou o marido e a mulher,
Eu sou a unidade infinita
Eu sou um deus com princípio
Eu sou poeta!

Eu tenho raiva de ter nascido eu,
Mas eu só gosto de mim e de quem gosta de mim.
O mundo sem mim acabaria inútil.
Eu sou o sucessor do poeta Jesus Cristo
Encarregado dos sentidos do universo.
Eu sou o poeta Ismael Nery
Que às vezes não gosta de si.

Eu sou o profeta anônimo.
Eu sou os olhos dos cegos.
Eu sou o ouvido dos surdos.
Eu sou a língua dos mudos.
Eu sou o profeta desconhecido, cego, surdo e mudo
Quase como todo o mundo.

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