Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Zila Mamede

 
Trigal


Por entre noite e noite, essas veredas
para os trigais maduros me acenando.
Despertam-se campinas, precipitam-se
as invenções da luz na ventania.

Por entre lua e lua, essa querência
- um resmungar de espigas conscientes
do retorno às searas, que ceifeiros
já descerraram olhos invernais.

Planície enlourecendo se oferece
e um mar desenha nos pendões crescentes.
Ceifeiros - seus marujos sem navios -

pescam sementes, riscam no amarelo
a saudade dos peixes inascidos
nesse (não mar das águas) mar de pão.

Soneto da Espera

O verde obstinara-se em teus braços
em mim compôs apenas superfície
de tempo, de que és vértice: nasceste
na tessitura frágil das lembranças.

Carregados teus pés se justapõem
às andanças, maduros de certezas
que tuas mãos colheram, na visão
das auroras caídas sobre a mesa.

Verde, esse teu aliciando ventos
sugere uma esperança vespertina
entre os vãos paralelos das estrelas.

Comigo - claro escuro - o tempo estaca
se verde o sol me abriga, definindo-te
cada vez mais tranqüilo de mistérios.

Lagoa do Bonfim

À visão da lagoa quieta
uma paz de superfície desabrocha
que a lagoa repousa,
profunda.

As águas conservando
nas entranhas
um último segredo
de afogados,

prematuros desesperos
de afogados,
silenciosas tragédias
de afogados.

Tardias horas:
o repouso da lagoa se embrutece
e as maretas conversam,

e as andanças dos ventos da lagoa
decifram pensamentos e segredos
de afogados.

Falanges de fantasmas suicidas
dispersam o súbito murmúrio da lagoa
que é o seu próprio mistério.

Novamente a tranqüila,
novamente a transparente face da lagoa
se mostra:
e dos mortos aquáticos
o segredo permanece
puro.

Corpo a Corpo

Pasto branco
potro bravo
corpo a corpo
corre o certo
tempo incerto
de um corisco

Pasto e cobra
rosto franco
na empreitada:
febre e fogo
nesse jogo
de encontrar-se

Pasto e potro
rasto e sono
em breve trato:
rosto acorda
laço e corda
desatados

Pasto grave
tenso rosto:
cobra-cobra
se consome
na empreitada
re-presada

Pasto franco
rosto breve
fogo e risco
fome e riso
no improviso
desse jogo

Pasto bravo
potro branco
corpo a corpo:
na campina
o potro: a crina
engalanada.
 

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