Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Ana Lucia Sorrentino


A noite seduz

Um brinco de pérola e diamante
reluz na pele negra da noite.
O sabiá que traz meu sono
nas sempre altas madrugadas,
hoje me falta,
emudecido, assustado.
Creio ter se enamorado.
Talvez não esperasse,
não havendo hoje festa,
um céu vestido a rigor.
Talvez meu fiel sabiá
tenha hoje calado de amor...

Sem volta

Eu me queria como fui um dia,
quando ainda não sabia
coisas que depois vim a saber.
Eu me queria como antes de perceber
o que depois percebi,
sem nem ao menos querer.
Eu me queria como fui um dia:
inocente, crédula, pia.
Se a maturidade castiga

com a decepção do descrer,
a senilidade talvez seja
um indulto da natureza,
pelo envelhecer.
Custando a morte a chegar,
já fartos de aprender,
nela descansamos,
conseguindo, enfim, esquecer.
Flutuemos

Quando tudo que não foi
não mais tiver importância
nos vãos espaços das vãs lembranças;
quando tudo o que há de vir
não tiver mais o poder
de causar qualquer receio
e não mais puser a perder
do sono de hoje o esteio;
quando não mais brotar embriaguez
da fértil semente do olhar alheio
e como uma flor cansada
a vaidade murchar de vez;
quando o necessário for
vergonhosamente flagrado
em sua mais absoluta inutilidade
e as fugidias verdades compreenderem
de todas as coisas o caráter passageiro;
quando o que restar for apenas

movimento
talvez, então,
se instale, enfim, a leveza.
Flutuaremos no nada
sorrindo zombeteiramente
das bobagens da vida.

Maturidade

Num susto me acomete
inesperado recato.
Um bem-vindo autoamor,
um quê de orgulho e vaidade.
Súbita maturidade,
contrariando o esperado,
não vem aos poucos,
a cada ruga
ou fragilidade.
Vem de uma só vez,
inteira e com gosto de novidade.
Me possui,
me traz cuidados comigo,
mitiga minhas verdades,
e me imprime dignidade.

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