Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Kátia Drummond

A menina afegã, de Steve McCurry
 

Mãe

Esta vida que me deste, eu não a entendo.
Busco encontrar explicações, a esmo.
Não há qualquer vestígio. Só suspeitas.
Uma razão sequer. Procuro em vão.
Quando partires, se me antecederes,
dá-me um sinal de vida, qualquer toque.
Compreenderei quem sabe, então,
essa amargura de vir e ir,
assim, sem mais nem menos.
Como um inseto trôpego,
um verme, um cão.

Enquanto Ana Terra não vem

Já vivi a intensidade exaustiva dos retiros.
Recitei todas as preces e tomei todos os votos.
Jejuei em busca de sanar as dores deste mundo.
Não matei, não roubei, não menti.
Cometi virtudes, purifiquei o corpo e a alma.
Realizei sonhos e multipliquei amores.
Convivi com todos os seres vivos e mortos.
Só não amei a Deus sobre todas as coisas.

Agora, resta-me estirar a rede na varanda,
acender a lua, deitar e sonhar.

Enquanto Ana Terra não acende o sol.

Brisa

Você acorda cantando,
como faz o passarinho,
anunciando a chegada
do dia, devagarinho.
O sol chega e você cala.
E pra ouvir a sua voz,
desenho o sol indo embora,
faço outra lua lá fora,
desenho mil rouxinóis.
Amanhece de mansinho
e o sol brilha novamente.
Parece que a terra inteira
está brotando de repente.
O mato cheira mais forte,
a chuva cai levemente,
os carneirinhos no céu
viram flores, viram gente.
Lá vai o dia indo embora,
seguindo pra outro lugar.
A mansa noite lá fora
está começando a chegar.
Enquanto você descansa
do seu dia de aprendiz,
eu desenho outra esperança
onde você é criança,
onde você é atriz.

Vida integral

Você é flor de açucena
Planta verde de quintal
Filhote de passarinho
Cigarra no mangueiral
Peixe de fundo de rio
Mel de abelha mandaçaia
Beija-flor no milharal.

Você tem cheiro de campo
Brilho de sol no trigal
Gosto de caldo-de-cana
Cheiro de flor matinal
Você é meu passarinho
É meu cavalo-marinho
É meu mundo vegetal.

Quero ver você crescer
Como cresce a esperança
E ver você renascer
No seu jeito de criança
Transformar a vida inteira
Água, terra, fogo e ar
Quero ver você viver
Quero ver você brilhar.

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