Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

sábado, 2 de março de 2013

Adriano Espínola



O prego

O que mais dói
não é o retrato na parede,

mas é o retrato ali cravado,
persistente,

no centro da mancha
do quadro ausente.

 
O jangadeiro

 
Jangadas amarelas, azuis, brancas,

logo invadem o verde mar bravio,

o mesmo que Iracema, em arrepio,

sentiu banhar de sonho as suas ancas.

Que importa a lenda, ao longe, na história,

se elas cruzam, ligeiras, nesse instante,

o horizonte esticado da memória,

tornando o que se vê mito incessante?

As velas vão e voltam, incontidas,

sobre as ondas (do tempo). O jangadeiro

repete antigos gestos de outras vidas

feitas de sal e sonho verdadeiro.

Qual Ulisses, buscando, repentino,

a sua ilha, o seu rosto e o seu destino.

 
A velha


Esculpida em silêncio,

sentada

e sábia,

fita o horizonte da mágoa.

Ao lado,

o mar murmura

as sílabas do ocaso.


Ó beleza antiga e súbita:

sobre seu ombro

o instante

se debruça, iluminado.

 
Pesca

 
A aurora se desamarra do cais.

Um barco singra o peito

rosado do mar.

A manhã sacode as ondas

e os coqueiros.


O azul estica a linha do horizonte.

Na praia, um pescador arrasta

um sol de algas.

Em suas mãos, um peixe salta:

 
Ó palavra escamosa,

espírito agitado das águas.

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