Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

José Carlos Farias Vieira

Para sempre

mais que amor
adoração
coisa eterna
luz de estrela

mais que beijo
entrega
encontro de alma
na rede  amarela 
carícia de janela

mais que juntos
únicos, unidos
coração, sangue
música, aquarela

mais que perfeitos:
duas vidas
que caminham lado a lado
desde que a terra
era somente bela...


Cardiopatia (ou réquiem para um velho punk)

Morreu numa madrugada quente
a lua, talvez minguante
ao lado, uma garrafa de vinho pela metade
a taça em cacos jazia no tapete cinza.
Perto do travesseiro
o livro Ao sul de lugar algum,
de Charles Bukowski:
"  Randall era conhecido por ser
um solitário convicto, um bêbado,
um homem amargo,
mas seus poemas eram crus e honestos,
simples e selvagens..." 
morreu
coração explodiu, apesar da pouca idade
virou uma gelatina disforme, dentro da carne enrugada.
morreu
tinha uma amante mais velha
a cada 15 dias, o visitava
ela gemia, urrava, suava, chorava, ria
e falava de eternidade.
Deixava sempre dinheiro
dentro do aquário vazio de água e  cheio de plantas de plástico
depois  ia embora para a casa do marido em seu sedã dourado.
morreu
um tumor poderia levá-lo mais tarde
uma facada de amor ao lado do baço também
um susto, um tique, um teco.
morreu
como morre um inseto
cego diante da luz de um automóvel
anjo no chão depois do pecado.
Os anéis de prata brilhavam nos dedos já frios e entrevados
uma caneta, uma carta de amor por começar
o papel em branco.
sim, a morte era branca como aquela folha
inútil, vaga, vazia
inexorável vácuo sem volta
morreu
diante do espelho silencioso
de um quadro de Iolovitch
entre remédios e remorsos.
a vida é um clichê
uma mentira encenada no palco
para uma plateia de medíocres
só os medíocres sobrevivem tanto
morreu
era uma vida de pequenos suicídios diários:
acordar, mijar, gritar o nome da melhor mulher
voltar para a cama
tropeçando em amores deixados nas gavetas do passado
aaaahhh! desespero!!
morreu
sem perdão para a culpa dos outros
não um canalha, ou um cristo, ou um buda
mas um poeta enganado, desenganado
um mito do rock sem comprimidos e seringas
morreu
não havia vida há muito
rastejava pelos bares
vomitava palavras nos esgotos dos saraus
enfrentava o hálito da morte todas as madrugadas
deixou cicatrizes em diversos seios
mordidas insanas em batom azul
sinais cravados para sempre
em peles lisas e perfumadas
Morreu...
O sol já vai nascer...
E as moscas lambem os olhos secos...

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