Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

José Carlos Peliano

Estrela
(para Nise Magalhães da Silveira)


estrela, estrela guia,
estrela que não me guia
tem a mim como aprendiz

curva-se à sua guia
o universo que se cria
milhões de anos-luz feliz

Bsb, 21/05/97


Mariana Alvim(nho) de inigualável safra *
(para Mariana Agostini de Vilalva Alvim)

quisesse alcançar no fundo do peito
emoção maior à que se chegara,
nem que se buscasse ao mais que perfeito
faltaria verbo à expressão mais cara

mesmo dando forma ao que não tem jeito
e no tempo fazer armação rara,
ainda assim seria um contrafeito
aos pés da criação que se sonhara

surpreendente que possa a mão humana
tocar a arte que vem da natureza
ao tentar seguir-lhe a vida que emana
mas não há quem exprima com certeza
a graça, que arrebata Mariana,
e a faz mais bela que a própria beleza

Bsb,01/05/97

*publicado em Subversão e Ternura – A saga de Mariana Alvim, de Maria Leda de Resende Dantas, Edições Bagaço, Recife, 1999

Rio de versos
(a Thiago de Mello)

lanço uma rima em pródigo arremesso
em direção à luz do sol, que apago,
para ver outra luz de um sol espesso
que vem do Andirá nos versos de Thiago

muito tive da vida o que mereço
pouco o que me valeu e ainda trago
como o verso sem o meu endereço
que habita os rios que nascem de Thiago

antes que a vida, ao fim, me mostre o avesso
espero dela ainda um grande afago
ao ver um verso meu desde o começo
surgir das águas pelas mãos de Thiago

(*in Dois Oceanos, JCPPeliano, Prêmio Brasília de Produção Literária, Brasília-DF, 1998)

Filho duplo*
(a Leonor Pereira Peliano, minha mãe)

esta mãe não me tomou pelas mãos
e me fez dono do mundo
que me veio por meus pés de vento
e olhos de tela de cinema

esta mãe não me teve nos braços
de onde viajei por terras com as cores da luz
para conhecer o doce molhado de um beijo
e o acalanto de ondas sem fim
que só as fadas dos contos conheciam

esta mãe nunca chorou por mim de saudade
toda vez que me levou o mundo
para longe de seus cuidados
em árvores e muros alheios

não foi esta a mãe encharcada de alegria
que me recebia em seus braços de oceano
ao chegar mareado de outros mares

esta mãe que ficou em mim
navegando por meus rios vermelhos
ainda me dá bênçãos
e palpita em meu peito
mas sente uma falta sem tamanho
da outra que nos deu o mundo
e que não encontro mais ao despertar

(*in Dois Oceanos, JCPPeliano, Prêmio Brasília de Produção Literária, Brasília-DF, 1998)


Olhos para dentro
(aos internos do Instituto Benjamim Constant)

com um olho
sigo os passos de um sol
que tem a cor que escolho
e o tamanho que não me cabe

com outro olho
sigo o sol de passos
que ainda não dei
e que me abrem as manhãs me chamando
longamente

não me faltam olhos
para me levarem aos passos de um sol
nascido dos mares que invento
e se põe nos passos de um mundo
onde tenho os olhos que fazem mais
que tornar a noite dia:
os grandes olhos que não enxergam para fora
só para dentro

(*in Dois Oceanos, JCPPeliano, Prêmio Brasília de Produção Literária, Brasília-DF, 1998)





sobre curvas*
(a Oscar Niemeyer)
a curva de Einstein
dobra o espaço para os astros serem guardiões
a curva de seu corpo
abre o espaço para minhas mãos serem adivinhas
 a curva de Niemeyer
inventa o espaço para as retas serem femininas

*do livro inédito Âmbar

o infinito é aqui*
do jeito assim do estalo de Vieira
em minha cabeça a ficha caiu
dei-me conta hoje pela vez primeira
que a noção de infinito em mim ruiu
a idéia vou mostrar bem devagar
para arrumar até a própria tese
ao por o pensamento no lugar
sem medo de perder a exegese
sempre esteve o infinito além de mim
nas estrelas distantes ou além
lá no fim do universo se há fim
ou não se assim for o caso também
de repente, porém, vi de repente
que a noção de infinito só existe
indo de um ponto a outro referente
e se a direção vai certa e persiste
assim sendo sigo em frente por partes
para manter o fio da meada
pintar o sete mas pintar com artes
estrelas perto ou longe da enseada
se o longe faz com o perto o infinito
ao virar de lado esta referência
logo vem à tona o dito e o não dito:
longe é perto e perto é longe em seqüência
se tudo isto posto faz sentido
e perdê-lo não quero por agora
cada ponto no espaço bem medido
faz parte do infinito a qualquer hora
para ficar mais claro ainda mais
e me deixar perplexo e encantado
o infinito sou eu sempre e demais
por todo e a cada lado e a qualquer lado!

 * do livro inédito Âmbar 
 
detento juvenil*
“quero ir embora
querirembora
querembora
qué embora
queimbó
embora
bora
bó   ra
ora
ó
oh!... procês!!!”
* do livro inédito Marca D'água 
  
ao poeta desconhecido*

em suas mãos os versos viravam flores
e perfumavam as varandas das manhãs

 as palavras davam-se as mãos
e se punham em ciranda de liras

 não havia lugar
sem que o ambiente se curvasse em reverência
à cada poema torto ou abençoado

não havia poema que chegasse ao fim
pois a poesia acompanhava sua vida
e se fazia a cada olhar

*do livro inédito Marca D'água












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