Fosso
O povo fala grosso
mas não segue adiante
porque tem um fosso.
O povo mostra o rosto
mas não pode ser visto
porque tem um fosso.
O povo não tem sobrosso
mas é expulso da festa
porque tem um fosso.
O povo paga imposto
mas fica à margem do rio
porque tem um fosso.
Fosse de que modo fosse
a vida não mudaria
porque tem um fosso.
A fome mostra o seu dorso
mas não prova do manjar
porque tem um fosso.
Espectros de pele e osso
contai vossa fome ao vento
porque tem um fosso.
O povo fala grosso
mas não segue adiante
porque tem um fosso.
O povo mostra o rosto
mas não pode ser visto
porque tem um fosso.
O povo não tem sobrosso
mas é expulso da festa
porque tem um fosso.
O povo paga imposto
mas fica à margem do rio
porque tem um fosso.
Fosse de que modo fosse
a vida não mudaria
porque tem um fosso.
A fome mostra o seu dorso
mas não prova do manjar
porque tem um fosso.
Espectros de pele e osso
contai vossa fome ao vento
porque tem um fosso.
Lavoura
As minhas mãos
já foram robustas
já plantaram
sementes de milho
nas terras dos filisteus
hoje só semeiam
as lavouras do adeus.
Adágio para um tigre
Quando ele passeia pela floresta
os astros se escondem em seus casulos
de cristal e as ramagens genuflexas
derramam no ar gorjeios de alaúdes.
O tigre escuta o cântico das árvores
seduzidas pela flauta de Pã.
Seus olhos, dançarinos entre as flores
querem dormir ao sol de Aldebarã.
A noite arrasta o seu manto de búzios
sobre os pântanos coroados de chamas.
O tigre é um deus que sai de seus refúgios
para comer os brolhos das semanas.
O vento apaga as lâmpadas dos charcos
volta a zumbir nas veias dos cipós.
O tigre escreve a lenda de seus passos.
Em seu rumor canta secreta voz.
As horas passam, suas vestes longas
tocam de leve as harpas das clareiras.
O andar do tigre e o espírito das sombras
são dois impulsos para as profundezas.
Poema para escrever no asfalto
Agora eu sei o quanto basta à ceia do coração
e o quanto sobra do naufrágio
das nossas utopias.
Agora eu sei o que significa a fala dos mortos
e esta parábola soterrada
que jorra das veias da pedra.
Agora eu sei o quanto custa o ouro das palavras
e este pacto de sangue
com as metáforas do tempo.
Agora eu sei o que se passa no coração de treva
e do homem que morre mendigando
a própria liberdade.
Agora eu sei que o pão da terra nunca foi repartido
com a nossa pobreza
e com a solidão de ninguém.
Agora eu sei que é preciso agarrar a vida
como se fosse a última dádiva
colocada em nossas mãos.
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